A dois dias da Conferência do Clima da ONU, novos números mostram como o Brasil segue na contramão dos compromissos assumidos pra frear as mudanças climáticas. A falta de empenho do governo Bolsonaro contrasta com iniciativas que geram emprego e lucro no país sem descuidar do meio ambiente.
Não é um problema para o futuro, já está acontecendo. “Nós já observamos alterações na chuva no Vale do Rio São Francisco, no Nordeste brasileiro, na Amazônia, em praticamente todos os biomas brasileiros. Nós estamos vendo as nossas áreas urbanas sofrerem com os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos”, diz Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP.
A maior crise ambiental do nosso tempo atinge a economia e afeta principalmente os mais pobres.
“Cuidar do clima, cuidar da agenda climática, antes de mais nada, é um cuidado que se tem com a questão social. É cuidar das populações mais pobres, porque são elas, exatamente elas, que vão sofrer os maiores impactos com as mudanças climáticas”, afirma secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.
“É a pior das escolhas hoje não fazer nada. Um país que depende de energias renováveis - no caso das hidrelétricas -, um país que tem uma parte importante da sua economia na agricultura, um país que tem problemas de infraestrutura, as vulnerabilidades sociais que o Brasil tem, ele não pode se dar ao luxo de fechar os olhos para as mudanças do clima”, explica Mercedes Bustamante, professora de ecologia da UnB.
O Brasil chega à Conferência do Clima com as emissões de gases estufa em alta e a credibilidade em baixa. O país se comprometeu a reduzir em 43% as emissões de gases estufa até 2030. Essa foi a meta oficial apresentada no Acordo de Paris. Mas no fim do ano passado, o governo federal mudou a base de cálculo das metas brasileiras, o que, segundo especialistas, significa permissão para poluir mais.
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“É uma pedalada matemática que foi dada nos números e que afetou os compromissos do Brasil. O Brasil simplesmente diz que vai jogar para atmosfera 400 milhões de toneladas de carbono a mais em comparação ao que tinha prometido em 2015”, diz Márcio Astrini.
Professor do Instituto de Física da USP e cientista do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, Paulo Artaxo criticou a atitude do governo.
“Não há menor dúvida que o governo mudou a base, a maneira de calcular as emissões que ele esperaria reduzir junto ao Acordo de Paris. Isso faz com que o Brasil entre em uma mesa de negociações ainda mais desprestigiado do que antes, sente em uma mesa de negociações com todos os parceiros desconfiando das suas intenções e da sua seriedade”, afirma.
Na semana passada, outro golpe na credibilidade do Brasil em relação ao clima. A senadora Kátia Abreu, do PP de Tocantins, conseguiu aprovar um projeto que anularia a meta estabelecida pelo Brasil em Paris e permite que o presidente Jair Bolsonaro defina por decreto qual será a nova meta do país.
“A meta atual do Brasil é reduzir 43% em relação a um dado conhecido de 2005. Agora, ele virou uma redução de 43% em 2025 de um dado desconhecido, porque é uma projeção que ainda será feita e, diga-se, deve ser feita em 120 dias por este governo que está aí, que é um governo que não tem mostrado compromisso, por exemplo, com o combate ao desmatamento, nossa principal fonte de emissões de gases de efeitos estufa”, diz o coordenador técnico do Observatório do Clima, Tasso Azevedo.
Do Acordo de Paris para 2020, em vez de reduzir, o Brasil elevou as emissões de gases estufa em quase 5%. É o que revela um relatório divulgado nesta quinta-feira (28).
Apenas no ano passado, em plena pandemia, enquanto o mundo registrava uma queda de 6,7% nas emissões, o Brasil seguia na contramão: um aumento de 9,5%, o maior desde 2006.
No ranking dos países que mais agravaram o aquecimento global em 2020, o Brasil aparece em quinto lugar, atrás apenas de China, Estados Unidos, Rússia e Índia. A maior parte das emissões brasileiras vem do desmatamento ligado a pastagens e culturas agrícolas.
Mudar a visão sobre as florestas pode ajudar a reduzir os desmatamentos. Por exemplo, o que parece apenas um monte de árvores tem muitas coisas que começam a chamar a atenção do mercado. Tem fotossíntese retirando da atmosfera os gases que aquecem o planeta - o carbono fica estocado nas próprias árvores -; tem produção de chuva - as árvores suam vapor d’água, que vira nuvem -; tem produção de adubo orgânico de excelente qualidade - os resíduos da floresta ajudam a fertilizar o solo -; também tem o fenômeno da polinização, que ajuda os próprios agricultores a terem um bom desempenho nos negócios. Tudo isso vale muito dinheiro e tem inspirado muitos negócios.
O diretor-executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, Bernardo Strassburg, estima que o Brasil possa faturar até R$ 10 bilhões por ano com o uso inteligente das florestas. O valor dos serviços ambientais prestados em apenas um hectare de floresta na Amazônia equivale a R$ 3,5 mil por ano. Mais do que a atividade pecuária geraria de lucro na mesma área ou até mesmo uma plantação de soja.
“Negócios que antes eram um pouco mais difíceis de serem justificados do ponto de vista financeiro, que apenas aqueles produtores com uma consciência ambiental maior faziam, eles agora tornam-se perfeitamente viáveis e mais atraentes do que a alternativa apenas do ponto de vista financeiro”, diz Bernardo Strassburg.
O Jornal Nacional obteve com exclusividade um estudo da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura com 40 dos mais bem- sucedidos projetos que exploram o verde de forma lucrativa e sustentável.
“Nós temos 50 milhões de hectares ou mais de pastagens degradadas, com baixo potencial para produção agropecuária. Ou seja, você recuperar essas áreas para produção de madeira não compete com produção de alimentos, nem produção de energia ou de fibra, e, além disso, você pode ajudar no desenvolvimento do nosso país”, explica Miguel Calmon.
Um dos projetos fica em Garça, no interior de São Paulo. As pastagens degradadas deram lugar a uma imensa floresta replantada. Com as nascentes protegidas pelo verde, a água voltou. A empresa vende 1 milhão de mudas de árvores por ano e investe em madeira tropical com alto valor de mercado e outras culturas lucrativas.
“Nós somos especialistas em madeiras, em plantios de madeiras nobres, tanto florestais quanto agroflorestais. No curto prazo, nós produzimos as mudas, produzimos pupunha, café. E, no longo prazo, as madeiras nobres, que serão o que vai valer mais”, conta a engenheira agrônoma Valeria Ciriello, sócia-diretora da Futuro Florestal.
Para cada árvore retirada, outra é plantada. O verde da esperança é o mesmo que gera prosperidade sem destruição.
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