A relação de emprego tem características inconfundíveis. A posição hierárquica a que se submete o empregado confere, em certa medida, ao empregador, tal como a CLT define seu conceito, o exercício do poder diretivo no sentido de conduzir os fins econômicos ou sociais do negócio empresarial. Além desse aspecto, a fidúcia contratual recíproca, base fundamental do contrato de emprego, reforça a peculiaridade com que são mantidos os vínculos estabelecidos.
É a boa-fé na relação contratual "como princípio normativo, pelo qual todos devem actuar como pessoas de bem, num quadro de honestidade, correcção, probidade e lealdade, de forma a não defraudar as legítimas expectativas e a confiança gerada nos outros" ("O Direito Geral de Personalidade", Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, Coimbra Editora, 1995, p. 530).
Todavia, a evolução dos negócios e a massificação de empregados em algumas atividades levaram as empresas a adotar medidas de proteção do ambiente de trabalho, por razões de segurança interna e externa e, na mesma medida, a adotarem regras de controle e fiscalização do patrimônio empresarial contra furtos no ambiente de trabalho, por empregados ou terceiros.
Neste mister, de proteção patrimonial, parece comum a contratação de empresas especializadas, com pessoal treinado para ações duras e, em algumas situações violentas, sem respingo de civilidade nos atos praticados na abordagem de terceiros ou empregados de empresas contratantes.
No caso de revista de empregados, o ato, por si, qualquer que seja sua dimensão, sugere ou presume que a relação de confiança e de boa-fé, próprias da essência do contrato de trabalho estão sendo colocadas em dúvida e não seria compatível com a continuidade da relação de trabalho. Contudo, tal prática passou a ser admitida e inserida no campo do exercício do poder de direção do empregador, de forma a atingir, especialmente, trabalhadores de produção ou operários, para se utilizar de expressão adotada em outras legislações.
As revistas a empregados passaram da proibição para a tolerância e, ao final, reconhecidas como direito do empregador, observado o limite do excesso de rigor ou rigor excessivo, na forma da lei (artigo 483, b, da CLT). Coube à jurisprudência a modulação dos atos praticados, admitidos, com mais largueza, em bolsas e objetos pessoais de empregados. Wagner Giglio observa com acuidade que "o trabalhador não é coisa, mas pessoa, sujeito de direitos, entre os quais o de ter respeitada sua personalidade e seu amor próprio, sua diginidade, enfim. O tratamento com rigor excessivo fere esses direitos, autorizando-o, em represália desagravadora da ofensa, a afastar-se do ofensor, com justa causa" (in "Justa Causa", São Paulo, LTr, 3ª Edição, 1992, p. 327).
Outra situação de restrição do exercício do poder diretivo do empregador diz respeito às revistas pessoais e íntimas porquanto violadoras do disposto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, garantida a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Neste sentido, o sítio do TST publicou no último dia 22 noticia de que, por decisão da 1ª Turma, com relatoria do desembargador Marcelo Pertence, a empresa foi condenada por apalpação de empregado em revista pessoal. Segundo o relator, admite-se a fiscalização em objetos e pertences do empregado ("A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o procedimento de revistas realizado nos pertences pessoais de todos os empregados, indiscriminadamente, sem contato físico, insere-se no âmbito do poder diretivo e fiscalizatório do empregador, não gerando constrangimento apto a ensejar dano moral indenizável"), mas que "a revista pessoal, com contato físico, extrapola os limites do poder diretivo do empregador, configurando situação vexatória que afronta a intimidade e a dignidade do trabalhador, pois expõe parte do seu corpo" (RR-860-17.2014.5.09.0654 ).
Em outra notável decisão da 1ª Turma do TST, em relatoria do ministro Walmir Oliveira Costa, afirma que exorbita o exercício do poder diretivo do empregador obrigar o empregado à vexatória exposição de parte do corpo do empregado.
Bem se vê que há uma relativização da fidúcia e da boa-fé contratual e o rigor excessivo se caracteriza quando se trata de passar empregados a revista mediante contatos físicos ou exposições do corpo dos empregados porque invasivos e ofensivos à intimidade e dignidade do trabalhador. A contratação de terceiros, empresas especializadas em segurança patrimonial, não afasta a responsabilidade do tomador de tais serviços pela prática ofensiva ou abusiva adotada pelos chamados seguranças, treinados especialmente para desconfiar e revistar.
Paulo Sergio João é advogado e professor da PUC-SP e FGV.
© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.