Entidades criticam decreto que acelera a aprovação de agrotóxicos

24 de Oct / 2021 às 22h00 | Variadas

O decreto recente que flexibiliza regras sobre agrotóxicos é visto como mais um retrocesso nas políticas ambientais e de saúde. Para organizações que lutam pela redução do uso, o que ocorre em outros países, o Brasil está na contramão do mundo.

Do outro lado, indústria, agronegócio e governo veem as alterações como necessárias para desburocratizar o registro de novos defensivos à medida que a agricultura avança.

O Brasil é o terceiro país que mais usa agrotóxicos em números absolutos, depois de China e EUA, segundo dados da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura.

Com a terceira maior área agropecuária, ocupa a 27ª posição no uso por área plantada, entre 155 nações –5,94 kg por hectare, segundo o ranking da FAO de 2019.
Pesquisadores contestam o cálculo e dizem que grande parte da área é destinada a pastos, não a alimentos, o que faria o país subir no ranking.

Foram vendidas no Brasil 620 mil toneladas de agrotóxicos em 2019, informa o último boletim do Ibama. Do total, 38,3% são ‘‘altamente’’ ou ‘‘muito perigosos’’, e 59,3%, ‘‘perigosos’’. O restante, 2,4%, ‘‘pouco perigosos’’.

O decreto de 7 de outubro (10.833/2021) faz mudanças semelhantes às que já propunha o projeto de lei 6.299/2002, parado no Congresso, conhecido por "pacote de veneno" e alvo de 320 entidades unidas na Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.

Mas o governo Bolsonaro mudou a lei por decreto. Entre os pontos comuns ao decreto e ao projeto de lei estão novos prazos para acelerar a aprovação de agrotóxicos, maior participação do Ministério da Agricultura nas liberações de produtos e criação de "limites seguros" para que substâncias antes proibidas sejam aprovadas.

A flexibilização do registro é um dos pontos preocupantes, apontam Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Greenpeace e Inca (Instituto Nacional de Câncer).

"Substâncias que causam câncer, mutação genética e má formação fetal não eram aprovadas no país sob qualquer hipótese, como prevê a lei criada em 1989. O decreto muda isso, ao dizer que, se for possível determinar doses seguras, podem ser registradas. Na prática, acabou a proibição", diz a médica Karen Friedrich, da Fiocruz e da Abrasco.

Na visão do governo, a mudança aumentará a concorrência, com produtos mais modernos, menos tóxicos e de menor custo para produtores.

O decreto também se alinha a propostas do setor privado que o Ministério da Economia já encaminhara à pasta do Meio Ambiente para análise. Uma delas pede redução de exigências para fabricar agrotóxicos voltados à exportação e assim tornar o Brasil um polo exportador.
 

Ao explicar o decreto, o Ministério da Agricultura destaca que o registro de agrotóxicos destinados exclusivamente à exportação foi simplificado. ‘‘Agora, não será mais necessário que esses produtos estejam registrados para uso no Brasil. Isso aumentará a atratividade de investimentos em plantas industriais de produção para exportação".

Segundo a Abrasco, a mudança abre espaço para fabricar agrotóxicos no país sem a avaliação dos seus impactos para a saúde e o ambiente.

"O país tem potencial para exportar biodefensivos, um mercado crescente, e não agrotóxicos", diz a engenheira química Sonia Corina Hess, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina. "O governo deveria banir o que já foi banido em outros países, em vez de aceitar ser a lixeira do mundo", diz.

Sobre essa alternativa dos biodefensivos, a pasta da Agricultura afirma ter ampliado as equipes que analisam produtos de base biológica parar acelerar suas aprovações, mais rápidas que as de agrotóxicos. Para o órgão, a redução do uso de químicos dependerá da velocidade de pesquisas que identifiquem agentes naturais de controle de pragas.

Segundo a CropLife Brasil, que representa a indústria do setor, defensivos químicos são fundamentais para assegurar a competitividade do agronegócio. ‘‘Tiveram papel crucial no aumento de 360% da produção de grãos, com crescimento de apenas 50% de área plantada, observados no Brasil nos últimos 30 anos".

A mudança, para a CropLife, dará mais transparência e segurança jurídica ao processo. ‘‘Não é razoável aguardar dez anos para a aprovação de um novo pesticida. No cenário atual, quando um defensivo é autorizado para ser utilizado pelo produtor brasileiro, já existem outros mais modernos sendo usados em outros países. Um prejuízo para as lavouras, os produtores, a economia e o consumidor. É isso que a nova lei deve evitar".

Marcelo Morandi, chefe da Embrapa (Empresa de Pesquisa Agropecuária) Meio Ambiente, diz que os químicos usados hoje são mais eficientes e permitem a redução de doses.

"Apesar do avanço do setor de biodefensivos, ainda não há produtos biológicos que atuam contra ervas daninhas. Esse é um desafio não só no Brasil, mas no mundo".

De janeiro de 2019 a setembro deste ano, 1.215 agrotóxicos foram liberados no país, segundo dados publicados no Diário da União e compilados por Hess. O ritmo de aprovação chama a atenção. De 2005 a 2015, eram cerca de 140 por ano. Só neste ano foram 345.

Dos produtos aprovados e usados no Brasil, 30% têm substâncias ativas já proibidas em países europeus. Apoiadas em pesquisas, Abrasco, Fiocruz e Inca consideram não haver limite seguro para uso de agrotóxicos.

"Um problema é que apenas as intoxicações agudas por agrotóxicos têm visibilidade e recebem atenção. O adoecimento crônico não é monitorado", afirma a médica Lia Giraldo, pesquisadora da Fiocruz e da Abrasco. Outro ponto é a mistura de agrotóxicos. Testes em animais avaliam um tipo de químico por vez e não consideram dados clínicos nem epidemiológicos.

O "Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agroto?xicos na sau?de" lista os principais problemas relacionados ao uso, que vão de câncer, mutação genética e malformações fetais a alterações hormonais e reprodutivas.

"Agrotóxicos muito usados no Brasil, como atrazina, acefato e paraquate, foram proibidos há anos na União Europeia por serem neurotóxicos, provocando Parkinson e distúrbios respiratórios graves, além do potencial carcinogênico", explica a médica.

O acefato e a atrazina são os dois componentes de agrotóxicos mais vendidos aqui. O primeiro já é banido em 30 países. Foi ligado a casos de câncer e ação neurotóxica, o que levou a Anvisa a adotar novas regras para uso em 2013, proibindo sua aplicação manual.

Segundo a Anvisa, o uso da atrazina é monitorado desde 2001 no Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos. O controle, suspenso na pandemia, deve ser retomado em 2022.

O paraquete, herbicida usado em culturas de algodão, milho e soja, foi vetado em 2017, mas teve o prazo para uso de estoques estendido até julho deste ano. Ligado à incidência de Parkinson entre agricultores, foi proibido em 37 países, informa a Pestice Action Network, organização mundial de ação contra agrotóxicos.

A Anvisa informa ter reavaliado, nos últimos dez anos, 13 ingredientes ativos de agrotóxicos, e proibido 8. "Diversas restrições foram estabelecidas com o objetivo de mitigar os riscos identificados."

Folha Press

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