A quarta edição da pesquisa Onde Mora a Impunidade, do Instituto Sou da Paz, mostra que é muito baixa a taxa de esclarecimentos sobre crimes contra a vida no país.
"Calculamos que o Brasil esclarece 44% dos homicídios", informa.
Uma das saídas para melhorar essa situação, segundo o Instituto, é criar um Indicador Nacional de Esclarecimento de Homicídios, com dados consolidados de órgãos envolvidos, como as polícias, os tribunais de Justiça e o Ministério Público. A falta de informação e de transparência sobre o assunto é uma das preocupações dos pesquisadores e a responsável pelos problemas que assolam a segurança pública e pela impunidade dos crimes dolosos (com a intenção de matar).
O objetivo do estudo, entre outras, é o de responder questões como a proporção dos homicídios dolosos que resulta em ações na Justiça em cada um dos unidades federativas do Brasil e quantos familiares de vítimas têm garantido pelo Estado direito a uma resposta. Nessa edição, que traz dados referentes a 2020, houve aumento de 12 para 17 dos estados entre os que foram capazes de oferecer informações que permitiram calcular as taxas de esclarecimento. Os estados na lanterna são Paraná, com 12% de esclarecimento, e Rio de Janeiro, com 14%. "Outros 10 estados brasileiros não foram sequer capazes de informar quantos homicídios eles esclareceram", destaca o estudo.
O Mato Grosso do Sul foi o estado que mais esclareceu homicídios, em 2020, com percentual de 89%, seguido por Santa Catarina, com 83%, e pelo Distrito Federal, com 81% - que piorou o percentual em relação à última edição, de 2019, quando apresentou taxa de 91%.
Mesmo o Paraná tendo a menor taxa de esclarecimento de homicídios, o percentual é um avanço porque, na pesquisa anterior, o estado tinha enviado dados incompletos que impossibilitaram o cálculo. E também o Rio de Janeiro, que ficou em último lugar no ranking em 2020, melhorou de 11% para 14% a taxa de esclarecimento, seguido da Bahia, que subiu de 4% na segunda edição para 22%, na atual.
"É importante reconhecer o avanço no percentual de esclarecimento de homicídios no Brasil, que aumentou 12% em relação à última edição da pesquisa", comemora Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. “Esta é a edição com o maior número de estados que enviaram dados completos e a maior parte deles apresentou aumento no esclarecimento de homicídios em relação ao ano anterior”, diz. Entre as razões para esse avanço nos estados está a melhora na capacidade de investigação, indicada pelo aumento nos esclarecimentos no mesmo ano da morte.
A literatura especializada aponta que quanto mais tempo demora a atividade investigativa, mais difícil fica a identificação de autores, com maior possibilidade de o inquérito ter como destino o arquivamento. Entre os estados que não enviaram os dados solicitados pelo Instituto Sou da Paz estão Alagoas, Amazonas, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins. Entre aqueles que enviaram dados incompletos, o que não permitiu o cálculo do percentual de homicídios, estão Amapá, Goiás, Pará e Maranhão.
O Instituto Sou da Paz cita, ainda, trabalhos de abrangência internacional, como o Estudo Global sobre Homicídios da ONU – edição 2019, que traz um panorama continental e aponta que os países das Américas têm os maiores índices de impunidade, tendo 43% de homicídios elucidados, ficando abaixo da média mundial de 63%. “O critério utilizado foi a capacidade das instituições policiais de identificar pelo menos um suspeito do crime, independentemente da continuidade do processo nas instituições do sistema de justiça criminal”, explica.
O Sou da Paz menciona ainda que nos países das Américas os homicídios são frequentemente ligados ao crime organizado e gangues violentas, além de serem, na maioria, decorrentes do uso de armas de fogo. Diferentemente dos países da Europa, por exemplo, que concentram a menor taxa de impunidade, com 92% dos homicídios elucidados pela polícia, e onde a maioria dos autores das mortes são familiares e parceiros das vítimas, “o que seria um fator que contribui para a elucidação dos casos”.
Outra referência internacional foi o Murder Accountability Project, que apresenta dados de homicídios esclarecidos nos Estados Unidos desde 1965. “Cabe ressaltar que, de acordo com as diretrizes de denúncia do Departamento de Justiça dos EUA, um homicídio é considerado esclarecido se pelo menos uma pessoa foi presa, formalmente acusada do crime e entregue a um tribunal para julgamento. Assim, tem-se uma ampla série histórica que evidencia uma cultura de consolidação e acompanhamento dos dados deste crime”.
População carcerária: Mas, se o Brasil esclarece pouco homicídios, "por que nossas prisões estão superlotadas?", questiona a pesquisa Onde Mora a Impunidade. "Os dados disponíveis nos mostram que a maior parte das pessoas presas praticaram crimes contra o patrimônio (roubos, extorsão, entre outros) e crimes relacionados a drogas". De acordo com o levantamento, 728.203 pessoas estão presas no Brasil. Desse total, 40% (315.047), por crimes contra o patrimônio; 31% (246.091), por envolvimento com drogas; 18% (143.929), por “outros” crimes; e apenas 10% (80.319), por homicídio.
“Contudo, informações disponíveis revelam que menos de 10% dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas praticaram ato infracional análogo ao homicídio”, revela o Instituto – ao contrário do que se pensa, a maioria dos menores apreendidos não cometeram crime de morte. O estudo não inclui as mortes de intervenção policial (MDIP), consideradas como excludente de ilicitude – denúncias criminais não oferecidas contra policiais que agiram em legítima defesa própria ou de terceiros –, “por entendermos que remete a uma outra dinâmica, mais específica”, diz o Instituto.
Para que o Brasil passe a priorizar a investigação de homicídios, o Instituto Sou da Paz propõe, entre outras recomendações, a modernização da gestão, infraestrutura e remuneração das polícias civis estaduais, a garantia da disponibilidade ininterrupta de equipes completas (delegado, investigadores e peritos) para chegada rápida ao local do crime em todas regiões dos estados, além da padronização e integração dos sistemas de informação dos Ministérios Públicos estaduais, conferindo mais transparência à resposta que o Estado dá aos crimes contra a vida”.
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