Embora a participação das mulheres na ciência venha crescendo nos últimos anos, os homens ainda são maioria no topo da carreira científica. Mas, apesar dos obstáculos, há pesquisadoras que vêm mudando esse quadro. Histórias para inspirar futuras cientistas (Edições Livres/Fiocruz) narra a trajetória de 13 mulheres que deram contribuições extraordinárias à ciência brasileira.
Escrito para crianças e adolescentes, o livro traça perfis de brasileiras que não apenas fizeram grandes descobertas, mas que também têm buscado a ciência como forma de combater as desigualdades no país.
A publicação está disponível de graça, na plataforma Porto Livre e no repositório Arca.
Histórias para inspirar futuras cientistas lança luz a pesquisadoras como a pernambucana Alzira de Almeida, que atua há cinco décadas no controle da peste no Brasil. Já a paulistana Bertha Lutz participou da descrição de mais de 80 espécies de anfíbios. Carioca, Christina Morais desenvolveu testes melhores e mais baratos para detectar a presença de pesticidas em alimentos. Maria Deane, que nasceu em Belém do Pará no começo do século 20, foi pioneira na pesquisa de doenças que afetavam e ainda afetam os brasileiros mais pobres. Miriam Tendler lidera o grupo que, no campus Fiocruz, desenvolveu a primeira vacina brasileira para a esquistossomose. E estes são só alguns exemplos. Além dos textos narrando a carreira e curiosidades sobre as 13 cientistas, o livro conta com ilustrações de Flávia Borges.
“Mais do que nunca, é preciso mostrar como a ciência é fundamental para transformar o mundo. E, também, o papel das mulheres na produção científica. Nosso objetivo, com esse livro, é instigar a curiosidade de meninas e meninos. Incentivando o interesse não apenas pela ciência em si, mas pela história de mulheres que têm lutado em defesa da vida”, descreve a jornalista Juliana Krapp, uma das autoras.
A bióloga Mel Bonfim, também autora da obra, acrescenta que narrar a trajetória dessas cientistas é, também, uma forma de divulgação científica. “E dar acesso ao conhecimento científico de forma lúdica é algo essencial à formação de cidadãos mais conscientes e críticos.”
Nos últimos anos, a Fiocruz vem promovendo inúmeras atividades que buscam a promoção da equidade de gênero na Ciência. Como lembra a também cientista Cristina Araripe, coordenadora de Divulgação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no prefácio: “Entre as muitas conquistas mais recentes, tivemos a criação do Comitê de Pro-Equidade de Gênero e Raça, em 2009, e a eleição da socióloga Nísia Trindade Lima para presidir a instituição, em 2017. Como primeira mulher a ocupar o cargo de dirigente principal da instituição, a Professora Nísia vem também se destacando ao lado de muitas colegas, incluídas ou não nesse trabalho, como uma das cientistas que mais contribuiu para que o nosso país possa ser, definitivamente, visto como um lugar de mulheres que fazem a ciência de ponta no mundo. É assim que ela e diversas colegas apresentadas neste livro estão virando de ponta-cabeça (upside down) a ciência que é feita na Fiocruz.”
Histórias para inspirar futuras cientistas nasceu por meio de uma parceria entre o Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict) e a Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC), ambos da Fiocruz. O livro teve recursos do projeto Fiocruz 120 anos, e contou com consultoria da Editora Rebuliço.
HISTÓRIA: Alzira Maria Paiva de Almeida nasceu na cidade pernambucana de Palmares, em 1943. Formou-se em Nutrição, fez doutorado na França e pesquisas nos Estados Unidos, no Peru e em Madagascar.Foi a primeira mulher a integrar a equipe do Plano Piloto de Peste, uma missão científica para enfrentar o aumento do número de casos da doença no Brasil.
Ingressou na Fiocruz em 1967, e, em 2019, recebeu o título de pesquisadora emérita. Apesar de já aposentada, prossegue atuando como pesquisadora. É coordenadora do Serviço de Referência Nacional em Peste, curadora da Coleção de Culturas de Yersinia pestis (Fiocruz-CYP) e referência nomundo todo nas pesquisas sobre a peste bubônica.
*No Nordeste brasileiro, vive até hoje uma cientista muito valente. . Ela enfrentou nada menos que uma das doenças mais terríveis de todos os tempos. Você já ouviu falar da peste? No século 14, matou quase um terço da população da Europa. E não parou por aí. Em diferentes épocas, deixou um rastro de destruição e medo por onde se instalasse. Foi o que aconteceu em Exu, uma cidadedo sertão pernambucano.
Os casos de peste bubônica, como é conhecida hoje, só faziam aumentar. Era um sofrimento para os moradores! As autoridades decidiram então enviar um grupo de cientistas para estudar o que estava acontecendo por lá. Mas, a bem da verdade, quase ninguém queria embarcar naquela aventura científica...
O acesso a Exu era penoso: dias de estrada. A cidade não tinha luz elétrica nem água encanada. E ainda havia o risco de se contrair a peste. Isso foi na década de 1960. Alzira era uma jovem recém-formada no curso de Nutricionistas, craque em lidar com microscópios e experimentos de laboratório. Tinha espírito aventureiro e muita vontade de ajudar a combater a miséria e o sofrimento da população brasileira. Ela ficou sabendo da expedição a Exu e quis participar.
Foi a única mulher entre 25 profissionais homens. Mas, para explicar melhor o trabalho de Alzira, precisamos revelar um detalhe sobre a peste bubônica. É que, para a transmissão dessa doença tão temida, entram em ação dois bichos. Um deles é bem pequenininho... Quero ver você adivinhar. É saltitante e dá uma coceira danada... Pois é, a pulga! Quem diria que um inseto tão minúsculo ajudaria a causar tamanho estrago? Bom, mas não é só ela que atua nessa história de peste. O outro animal que entra em cena pode ser ora repugnante, ora fofinho. São os bichos que a gente costuma chamar de “rato”. · 16 · Você sabia que há muitos tipos diferentes de ratos? Na verdade, os cientistas preferem chamá-los de “roedores”.
Os simpáticos Mickey Mouse e os porquinhos-da-índia são roedores. Mas a paca, a cutia e a enorme capivara também são! E existem várias outras espécies de roedores que vivem principalmente no mato e nas roças, e que servem de “hospedeiros” para a peste. Acontece assim. A bactéria da peste vive dentro do corpo dos roedores — como uma “hóspede” mesmo. A pulga, que se alimenta de sangue, pica o animal. E, como vive pulando e picando por aí, acaba levando sangue infectado de um ser vivo para outro. Na região de Exu, há uma grande variedade de roedores, típicos do sertão. O preá, o mocó, o punaré, além de uns ratinhos chamados rato-de-cana, rato-de-algodão, rato-de-capim, bico-de-lacre.
As pessoas podiam ser picadas pelas pulgas e contrair a doença, quando iam para o mato ou as roças. Ou ser picadas em casa mesmo. As condições precárias de higiene e de moradia acabavam sendo um convite para que os ratos passeassem pelas casas dos habitantes, levando as pulgas em seus pelos. O que os cientistas fizeram nessa cidadezinha, durante anos, foi capturar e estudar os roedores e pulgas que disseminavam a peste bubônica. Alzira ficava no laboratório, fazendo pesquisas que foram fundamentais para acabar com a epidemia de peste daquela época.
As descobertas científicas que ela fez em Exu deram base ao Programa de Controle da Peste, essencial para que não tenhamos mais casos da doença no país. Isso porque, infelizmente, a peste não é coisa só do passado. Há aparições ocorrendo até hoje, em alguns países. Ainda não há vacina para a doença! Depois desses anos em Exu, Alzira estudou no exterior e trouxe para o Brasil novas formas de fazer o diagnóstico da doença. Além disso, criou uma coisa chamada “coleção de culturas do micróbio da peste”. É como uma coleção como qualquer outra dessas que · 17 · você conhece. Só que, em vez de figurinhas ou gibis, reúne matéria orgânica em recipientes chamados “tubos de ensaio” e “placas de Petri”, que lembram lentes de vidro. Lá dentro, podemos ver como as bactérias se proliferam.
A coleção, criada por Alzira, ajuda cientistas do mundo todo a saber mais sobre a peste — e, assim, a salvar vidas.
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