Dia 8 é comemorado do dia do Nordestino. Mas o que é ser nordestino? Talvez a gente nunca se faça essa pergunta. Apenas somos. Nascemos na região denominada de Nordeste e por isso nos autointitulamos ou nos chamam de nordestinos. Mas, quais seriam as características comuns desse povo? Os símbolos? Os hábitos, os aspectos culturais etc... Talvez a minha condição de professor, pesquisador e sociólogo tenha me feito, algumas vezes, parado para refletir ou tentado entender o significado de ser nordestino.
Para o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr, autor de um importante trabalho de pesquisa sobre essa região, a ideia de Nordeste não passa de uma invenção. Uma criação humana. O livro dele, resultado de uma tese de doutorado, se chama, inclusive: A invenção do Nordeste e outras artes. E diz que a criação dessa região atendeu aos interesses das oligarquias políticas e das classes economicamente bem sucedidas que dominavam essas terras no final do século XIX e início do século XX. Esses grupos contaram com o apoio de artistas e intelectuais como escritores, poetas, romancistas, cantores e todas as suas manifestações artísticas como a música, a literatura, a artes plásticas, o cinema etc.
Vejamos por exemplo o que fazem autores regionais como Graciliano Ramos (de Alagoas), Rachel de Queiroz (Ceará), José Lins do Rêgo e Ariano Suassuna (paraibanos), e Jorge Amado (baiano). São todos escritores e pensadores nordestinos que reforçam, através de seus textos, uma ideia do que seja o Nordeste e, portanto, o seu povo. Da literatura para a música. Quase que cem por cento da obra do nosso maior nome representativo do Nordeste, o pernambucano de Exu, Luiz Gonzaga, trata do cotidiano do nordestino. Seus dramas, suas alegrias, suas paixões, seus hábitos alimentares, suas crenças, suas as dores, seus amores...
Ainda falando sobre musica, existe uma composição de autoria dos poetas repentistas Ivanildo Vila Nova e Bráulio Tavares, interpretada por Elba Ramalho, que pedia uma espécie de Nordeste independente do Brasil. Dizem os versos: Dividindo a partir de Salvador, O Nordeste seria outro país, Vigoroso, leal, rico e feliz, Sem dever a ninguém no exterior, Jangadeiro seria o senador, O cassaco de roça era o suplente, Cantador de viola, o presidente, O vaqueiro era o líder do partido, Imagina o Brasil ser dividido, E o Nordeste ficar independente.
Nas artes plásticas, a obra prima mais representativa sobre o Nordeste, talvez seja “Os Retirantes”, de Candido Portinari, pintada em 1944 que retrata o movimento migratório do povo nordestino. Migrante que também se faz presente nos textos de Zé Lins do Rego, nos romances de Rachel de Queiroz, que aparece nas músicas de Luiz Gonzaga. Hoje longe, muitas légua, Numa triste solidão, Espero a chuva cair de novo, Pra mim vortar' pro meu sertão. Dizem os versos de “Asa Branca” de Humberto Teixeira, cearense de Iguatu.
Migração é um fenômeno típico dessa região que aparece também nas dezenas de versos de “A triste partida” de Patativa do Assaré. Eu vendo meu burro, Meu jegue e o cavalo, Nós vamo' a São Paulo, Viver ou morrer, Nós vamo' a São Paulo, Que a coisa 'tá feia, Por terras alheias, Nós vamo' vagar. O mesmo Patativa que, politizado, não culpa apenas a seca, um Deus punitivo ou os fenômenos naturais pelo problema da migração, mas também as ações humanas e políticas (ou a falta delas). Vejam esses versos do poema “Nordestino Sim, Nordestinado não” Mas não é o Pai Celeste. Que faz sair do Nordeste. Legiões de retirantes. Os grandes martírios seus. Não é permissão de Deus. É culpa dos governantes.
A ideia de Nordeste e de nordestino está espalhada por toda parte. Nas comidas, nos hábitos, nos costumes, nos aspectos culturais e mesmo sendo uma região formada por nove estados e com uma imensa diversidade climática, ainda perdura um conceito de Nordeste bastante associado ao atraso, seja ele, econômico, político, social. O nordestino também é visto como aquelas figuras folclóricas do teatro de Ariano Suassuna, que depois foram para o cinema e a televisão a exemplo de João Grilo e Chicó. Há ainda quem associe a ideia de nordestino aquela figura que possui força e resistência. Euclides da Cunha afirmou, em “Os Sertões”, que o sertanejo é “antes de tudo um forte”.
E o sertão está dentro do Nordeste também, ou seria o nordeste que está dentro do sertão? Nos versos do poema “Sertão”, Patativa do Assaré ainda se refere às dores e os sabores de viver por aqui: Desta gente eu vivo perto. Sou sertanejo da gema. O sertão é o livro aberto. Onde lemos o poema. Da mais rica inspiração. Vivo dentro do sertão. E o sertão dentro de mim. Adoro as suas belezas. Que valem mais que as riquezas. Dos reinados de Aladim.
Talvez inspirado por Patativa, eu também escrevi uns versos, entre 1998 e 1999 do século passado, cheios de nostalgia, de afeto, de uma relação de pertencimento ao lugar. Uma poesia repleta de pureza, mas também construída com base naquelas verdades sentidas e vividas pelo povo nordestino e pelo povo sertanejo... Minha terra onde nasci, Guardo no meu coração, Lugar onde eu cresci, O meu pedaço de chão. Ali ficou minha infância, Dali veio a juventude. Ali passaram meus dias. Naquela terra fui rude. Lutando para viver. Vivendo a conhecer. Minha própria inquietude. Agradeço ao Deus pai. Por aqui me encontrar. Falando da minha terra. Admirando o luar. Com toda sua beleza. Da força da natureza. Que brota nesse lugar.
Então o Nordeste é um pouco isso e muito mais. É sentimento, é poesia, é alegria, tristeza, força, coragem, migração. Mas também é beleza, criatividade, é inovação. O nordestino é uma maneira de ser, de sentir e de pertencer a uma região. Nordestino é acima de tudo um maravilhoso estado de espírito.
*Jurani Clementino-Jornalista, Doutor em Ciências Sociais, Escritor e Professor Universitário. Autor de: Forró no Sítio (Crônicas, 2018) e Zé Clementino: o ´matuto que devolveu o trono ao rei. (biografia, 2013).
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