O pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) figurou entre os principais poeta de todos os tempos e entre os mais importantes do Brasil. Sua poesia, iniciada em 1942, começou a ser profundamente marcada, a partir da década de 1950, pelos aspectos geográficos, históricos e, de forma geral, culturais da região onde nasceu – o Nordeste brasileiro. Alguns de seus principais poemas são de grande valia para o estudante, professor ou estudioso de História.
Como pernambucano, as memórias dos antigos engenhos de açúcar, dos canaviais e da seca que assola periodicamente a região foram intermináveis matérias de sua poesia. As imagens da vegetação da caatinga, da terra seca e do homem sertanejo — seja o retirante, retratado no famoso poema teatral Morte e Vida Severina, seja o trabalhador do canavial — fizeram parte das composições de João Cabral.
Outra imagem característica da poesia de Cabral é a da pedra, por isso alguns críticos qualificam a sua poesia como “poesia mineral” ou poesia econômica, limpa de lirismo e de “derramamento sentimental”. É uma poesia dura como a pedra e áspera como a vegetação da caatinga. A partir de seus poemas, conseguimos penetrar nas paisagens do Nordeste brasileiro, em sua história e seus “tipos humanos”. No trecho a seguir há um exemplo da imagem da pedra em um de seus poemas, intitulado Educação pela pedra:
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma. (Melo Neto, João Cabral. Educação pela pedra)
Conseguimos depreender do poema a atmosfera da vivência no sertão nordestino, isto é, a vivência de sofrimento ao longo da história do Nordeste, cuja aridez “educa” o homem por meio de “uma educação pela pedra”, como sugere o título. Em outro de seus poemas há a exploração do tipo de fala do sertanejo, buscando esmiuçar o porquê da fala sertaneja também se ajustar à aridez da região:
A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.
(Melo Neto, João Cabral. O sertanejo falando)
A concepção do homem sertanejo como “árvore pedrenta” e “incapaz de não se expressar em pedra” revela uma aguda “psicologia histórica” que Cabral desenvolveu em seus poemas. A história da vida do sertanejo aparece sempre em imagens que deixam patente sua condição de ser que se transforma pelo meio habitado e, por sua vez, também busca a transformação do meio árido no qual fora lançado.
Como João Cabral, muitos outros poetas brasileiros possuem uma interpretação perspicaz da história brasileira, que não poderia ser percebida de outra forma que não pela escrita poética. Nesse sentido, a poesia alia-se à História no empreendimento de entender a cultura e as demais esferas de atividades humanas.
*Professor e mestre Claudio Fernandes
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