Nesta sexta-feira (8) é comemorado o Dia dos Nordestinos. A data comemorativa foi criada no ano de 2009 em São Paulo, homenageando na época o centenário do nascimento de Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, poeta popular, compositor e cantor cearense.
No Estado paulista, lugar onde a população nordestina fora da região Nordeste é expressiva, a data virou a Lei 14.952/2009 criada pelo vereador Francisco Chagas (PT). O intuito é celebrar as raízes e as tradições culturais dos nordestinos, além de relembrar a vida e obra do autor cearense.
Patativa do Assaré (1909-2002) está entre as principais figuras nordestinas do século XX. Vivia em Assaré (CE), com sua família de origem pobre que vivia da agricultura. Com a morte do pai quando tinha 8 anos, começou a ajudar na plantação.
Foi alfabetizado aos doze, mas o estudo durou apenas alguns meses. Nessa época, começou a fazer repentes. Recebeu anos depois o codinome Patativa, pássaro da região que tem canto bonito em notas "tristes".
O primeiro livro veio em 1956: Inspiração Nordestina, que reunia poemas do autor. Teve reconhecimento nacional, ganhou prêmios e foi cinco vezes Doutor Honoris Causa. Mesmo famoso, nunca deixou a região do Cariri, interior cearense.
Confira texto do jornalista Xico Sá, homenageando Patativa do Assaré:
A obra de Patativa do Assaré (1909-2002) reinventou a nação semiárida para os seus próprios viventes. O poeta foi tão necessário nessa empreitada quanto autores como Raquel de Queiroz, José Américo de Almeida ("A Bagaceira") e José Lins do Rego foram para a fundação da imagem do Nordeste na primeira metade do século passado. Aqui deixa-se de fora, de propósito, Graciliano Ramos e sua alma russo-nordestina, nome que carrega outros sóis.
Andarilho de poesia falada, como os trovadores medievais ou beatniks da América, Patativa botou a prosódia do recolhido homem sertanejo, quase oriental nos seus modos, para desavergonhar-se e tocar no rádio.
O que era economia da fala vira sangradouro, tempestade, como a cheia que invade agora a terra seca. O semiárido, corte da geografia que abriga quase 20 milhões de almas, ganharia assim o seu Camões ou Comonge, como se diz por lá, onde o português reencarna, no anedotário, um anti-herói à João Grilo e Pedro Malasartes.
Ele apreciava muito "Os Lusíadas", ao ponto de dizer muitos versos na mesma métrica. Também perdeu uma vista, desde menino. "Dor-dolhos" se chamava a doença que cegava nos sertões mais precários.
O seu primeiro livro, "Inspiração Nordestina", recolhido por um amigo que se ofereceu para o exercício da datilografia, agora é reeditado pela Hedra. O bardo não anotava nenhum garrancho do que recitava, mas guardava tudo de memória.
Além do pendor camoniano, Patativa -pássaro miúdo e cantador, daí o apelido- era chegado num Castro Alves. As musas do parnaso também lhe mostravam os bordados das anáguas. Eta Bilac para deixar rastros, talvez seja o mais influente poeta brasileiro de todos os tempos, está nas dores do mundo de Cartola, um fã confesso, está nos floreios do poeta mais sertanejo.
Como se vê no livro relançado, cuja primeira edição é de 1956, seja nos sonetos, nas quadras ou motes, o condoreiro e o homem do "ora, direis" se encontram no Assaré (CE), que quer dizer atalho na língua tupi, caminho dos jardins que se bifurcam da poesia nordestina. Homem que é homem pode até preferir João Cabral, mas não tem medo de raspar o tacho de mel dos adjetivos.
É com esse mundo meloso que Patativa prensa a sua rapadura -nada representa mais a sua poesia do que esse doce nordestino. Com linguagem aparentemente adocicada, ele fez um tijolo impenetrável para a dentição dos esmorecidos.
Como em "A Triste Partida", sua canção gravada por Luiz Gonzaga: "-De pena e sodade, papai, sei que morro!/ Meu pobre cachorro, / Quem dá de comê?/ Já ôto pregunta: -Mãezinha, e meu gato?/ Com fome, sem trato,/ Mimi vai morrê!".
Nas "vidas secas" de Antônio Gonçalves da Silva, que ganharam mundo a partir de programas de rádio do Crato, Ceará há o duro protesto contra a cerca de arame do latifúndio, mas com uma verve "romântica" à Castro Alves.
Na sua canção de um exílio inevitável, não há o piripaque metafísico ("em cismar sozinho à noite...") de Gonçalves Dias, pois a dor já começa na estrada. Patativa botou o homem do semi-árido, seco e contido por natureza, para derramar-se. Isso é quebra de tabu, sertão sob o sol da psicanálise.
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