O plano de instalação de uma usina nuclear em Itacuruba (PE) foi alvo de críticas em debate promovido pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado nesta segunda-feira (20).
O projeto da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, voltou a ser defendido pelo governo federal, em meio à busca de alternativas para a crise energética. No entanto, os debatedores salientaram a possibilidade de acidentes, os prejuízos às comunidades indígenas e quilombolas da região, e os riscos ambientais envolvidos no plano.
O presidente da CDH e autor do requerimento de audiência, senador Humberto Costa (PT-PE), abriu a sessão salientando as dificuldades enfrentadas pela população de Itacuruba (PE) que, à época da construção da barragem da usina hidrelétrica de Itaparica, foi reassentada em região de terras menos férteis.
— Este fato impactou no modo de vida e na saúde dos itacurubenses. A cidade, hoje, tem uma das maiores taxas de suicídio do Brasil — afirmou.
Ele entende que a a construção da usina causará danos irreversíveis à população e ao meio ambiente, alertando que nenhuma central nuclear está livre de acidentes como os de Chernobyl e de Fukushima.
Professora de antropologia da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), Vânia Fialho ressaltou que a taxa de suicídio em Itacuruba é quase seis vezes maior que a média nacional. Ela considera que a instalação da usina nuclear em Itacuruba constitui violação de direitos humanos por si mesma, afetando especialmente os povos tradicionais da região: 11 povos indígenas e 9 comunidades quilombolas.
— A população vive com medo de mais este empreendimento de riscos e consequências incomensuráveis e não dimensionados pela própria ciência — disse, criticando a falta de transparência do projeto nuclear e a ausência de informação à população afetada, contra a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A cacica Lucélia Leal Cabral mencionou a luta do povo Pankará para a demarcação das terras, situação atribuída por ela à morosidade da Fundação Nacional do Índio (Funai), e lembrou que os povos indígenas da região de Itacuruba já foram fortemente afetadas pela construção da barragem e a inundação das ilhas que habitavam. Ela disse que a comunidade foi “surpreendida” pelo projeto da usina nuclear.
— Isso propõe mais uma vez a expulsão de nossa comunidade. O povo Pankará se vê obrigado a peregrinar na defesa de nossos direitos.
Em sentido semelhante, José Júnior Karajá, assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), contestou a oportunidade da construção da central nuclear que, segundo ele, se somará a outros projetos para “sugar” mais recursos hídricos do Rio São Francisco.
— O rio não possui segurança hídrica para um empreendimento desta natureza — alertou.
Ele acusou a “irresponsabilidade” do governo federal em retomar o projeto, e salientou que o argumento da instalação da usina num suposto “vazio geográfico” é a admissão de que a alternativa nuclear está sujeita a acidentes.
CONSTITUIÇÃO: Humberto Costa também defendeu a Constituição estadual de Pernambuco, que só permite a exploração da energia nuclear quando todas as alternativas estiverem esgotadas — esse artigo, no entanto, está sob questionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) em face do projeto em Itacuruba. O deputado estadual de Pernambuco Isaltino Nascimento (PSB) acusou a PGR de “artifício” para defender o posicionamento ideológico do governo federal e escapar à discussão legítima da questão na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe).
— Se houver a instalação da usina, o lixo nuclear terá que ser acondicionado por 300 anos. Três séculos. O Brasil oficialmente tem cinco séculos — protestou, acrescentando que a execução do projeto sem consulta aos povos locais constitui violação de tratado de direitos humanos do qual o Brasil é signatário.
O procurador-geral da Alepe, Hélio Lúcio Dantas da Silva, diz que a Constituição de Pernambuco é plenamente compatível com a Constituição federal, conduzindo uma mensagem clara a favor da exploração preferencial de fontes de energia que não trazem danos à saúde.
— A proposta, aparentemente, seria viável economicamente, mas inequivocamente apresenta uma ameaça ecológica, à saúde da população, às comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas — resumiu.
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