Está nas manchetes, capas e chamadas dos noticiários há algumas semanas. A seca grave que atinge o Centro-Sul do Brasil, onde ficam os reservatórios das hidrelétricas responsáveis por 70% da geração nacional de energia, como Furnas (MG), faz o País enfrentar a pior crise energética dos últimos 20 anos.
Como um fantasma que assombra quem já está abalado pelo contexto caótico de pandemia, inflação e desemprego, o medo do “apagão” traz de volta à memória o racionamento de 2001, quando o Governo Federal realizou uma série de blecautes para evitar o colapso da rede de abastecimento.
Desta vez, ainda não há previsão de cortes, mas a conta de luz ganhou uma tarifa nova, de “Escassez Hídrica”, subindo para além da bandeira vermelha.
Para o futuro, a perspectiva é que, pela forma como o meio ambiente tem sido tratado, os ciclos de seca se tornem mais frequentes e graves, impactando a vida das pessoas nos aspectos mais básicos do dia a dia.
Velha conhecida de quem mora no Semiárido nordestino, a falta d’água se intensifica nos períodos de seca no Cerrado, o maior bioma brasileiro depois da Amazônia, que ocupa uma área de 2 milhões de m² do sul do Maranhão ao interior de São Paulo, equivalente a 25% do território nacional. E é um reflexo da ação humana sobre a natureza.
Os dados são do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas), rede colaborativa de pesquisadores criada em 2015, que utiliza imagens de satélites, a partir da plataforma Google Earth Engine, para uma análise das transformações na geografia do País desde 1985.
De acordo com o programa, que, no dia 23 de agosto, lançou uma plataforma dedicada aos recursos hídricos, o território nacional perdeu 15,7% de superfície aquática nos últimos 30 anos, caindo de 19.719.050 em 1991 para 16.631.572 hectares de área coberta por água em 2020, sem incluir lençóis freáticos e outras camadas subterrâneas (veja no infográfico abaixo).
A redução foi observada nos seis biomas, incluindo as regiões hidrográficas do São Francisco, que abrange o Sertão pernambucano, e do Atlântico Nordeste Oriental, onde fica a Região Metropolitana do Recife (RMR), a Zona da Mata e grande parte do Agreste.
A primeira, localizada na Caatinga, encolheu 12,3% de 2004 até o ano passado, enquanto a segunda, mais concentrada na Mata Atlântica, apresentou uma diminuição de 39% no mesmo período. Em todo o Estado, que teve um pico de 139.458 hectares 17 anos atrás, foram 106.767 hectares em 2020, 23% a menos.
As estatísticas indicam uma queda na disponibilidade de água, que compromete o nível dos reservatórios e, consequentemente, a geração de energia elétrica.
“Estamos muito próximos do esgotamento [dos recursos hídricos]”, vaticina o coordenador do MapBiomas Caatinga e professor do Programa de Modelagem em Ciências da Terra da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Washington Franca Rocha.
Embora variações façam parte do ciclo hidrológico, o pesquisador considera que mudanças climáticas globais e intervenções humanas contribuem para a escassez. “Apesar de não podermos confrontar ainda com períodos de observação mais longos, estamos levantando a relação disso com as ameaças ambientais. O avanço do desmatamento é uma delas”, comenta.
Assim como o Pantanal e a Amazônia, a Caatinga sofre com a devastação, que, segundo Franca Rocha, também cresceu em Pernambuco, especialmente nas áreas próximas às divisas com o Ceará e a Paraíba.
Alguns sinais já são notados no meio ambiente, ainda que de maneira sutil. No interior do País, por exemplo, o pesquisador do MapBiomas cita estudos que mostram uma mudança no comportamento de espécies, como a de um tipo de beija-flor comum na Caatinga que tem sido encontrada na direção do Planalto Central.
“O que se observa é que as bordas do Cerrado estão ficando mais ‘áridas’, porque essas aves não iriam para outras áreas se as condições ambientais não fossem favoráveis”, comenta.
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