Enfrentando uma das mais graves crises hídricas das últimas décadas, o Brasil experimenta uma sensação à qual, infelizmente, o Nordeste brasileiro está acostumado. Com a escassez de chuvas e baixos volumes nas hidrelétricas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsáveis pela maior parcela da geração de energia do país, 70% da produção, a situação deve se agravar ainda mais neste mês de setembro, de acordo com as projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Preocupados com a situação que a Bacia do São Francisco vem assumindo devido à exportação de energia através do Sistema Interligado Nacional (SIN), o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) contratou uma consultoria para assessoramento técnico, no âmbito da Sala de Situação do Rio São Francisco.
A Sala de Situação funciona como um centro de gestão de situações críticas e subsidia a tomada de decisões por parte da diretoria colegiada da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), em especial, na operação de curto prazo de reservatórios, através do acompanhamento das condições hidrológicas dos principais sistemas hídricos nacionais, buscando identificar possíveis ocorrências de eventos críticos para a adoção antecipada de medidas mitigadoras.
A maior usina hidrelétrica de São Paulo, Ilha Solteira, enfrenta hoje um cenário semelhante ao reservatório de Sobradinho, na Bahia, quando chegou à marca de 1,6% do seu volume útil, em 2015. A usina localizada no Rio Paraná contabiliza 1,45% de água armazenada, registrando rápida diminuição do seu volume. A situação é basicamente igual em todos os reservatórios das duas regiões e com isso, além de acionar as usinas térmicas, o que torna o custo final da energia mais cara, outras medidas vêm sendo adotadas pelo Operador, entre elas a exportação de energia gerada no Nordeste através do Sistema Interligado Nacional (SIN),sistema hidrotérmico para produção e transmissão de energia elétrica, cuja operação está sob coordenação e controle do ONS.
Numa progressão de problemas, um deles é a situação das hidrelétricas do São Francisco, que passaram anos respeitando limites de vazão para recuperar os níveis perdidos desde a grave estiagem iniciada em 2013, e atualmente vêm também reduzindo drasticamente seu volume útil, incorrendo no risco de assumir uma nova crise hídrica. Com as fortes chuvas registradas no início de 2020, as usinas de Três Marias e Sobradinho atingiram, pela primeira vez, após muitos anos, as marcas de 100% e 72,4% do volume útil, respectivamente. O que parecia um alento durou pouco, já que a situação dos reservatórios do país pressionou o sistema. Atualmente os dois reservatórios operam com 45,40% e 44,94%, respectivamente, com tendência acentuada de diminuição dos seus volumes.
A consultoria contratada pelo CBHSF tem o prazo de acompanhamento de seis meses e realiza, ao final de cada reunião, um relatório com as atividades desenvolvidas, relato da reunião e as principais considerações sobre os aspectos apresentados na reunião.
O consultor Leonardo Mitre Alvim de Castro desenvolve as atividades de identificação das principais fontes de informações sobre os índices de chuvas, vazões ocorridas ao longo do eixo do rio São Francisco nos últimos meses e volumes dos reservatórios, faz a busca e análise das informações visando a verificação do histórico referente aos últimos meses para a bacia do rio São Francisco, a análise de outros estudos já desenvolvidos sobre o tema, ressaltando o estudo de “Avaliação da Operação de Reservatórios de Água e Definição de Subsídios para Proposição de um Pacto das Águas na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco”, desenvolvido pela Agência Peixe Vivo, e o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
Mitre realiza ainda a análise das informações históricas da sala de situação e operação do sistema hídrico do rio São Francisco e a análise legal sobre o tema, principalmente no que se refere à operação do sistema hídrico do rio São Francisco, ressaltando a Resolução ANA 2.081/2017, que “Dispõe sobre as condições para a operação do Sistema Hídrico do Rio São Francisco, que compreende os reservatórios de Três Marias, Sobradinho, Itaparica (Luiz Gonzaga), Moxotó, Paulo Afonso I, II, III, IV e Xingó”, além da análise das informações apresentadas e discussões ocorridas e elaboração do relato da reunião realizada, análise e exposição de considerações sobre as apresentações e discussões.
“O objetivo é entregar ao CBHSF, ao final de cada reunião, o relato contendo considerações sobre o que foi exposto, considerando as previsões apresentadas pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) e ONS para o próximo período de operação do sistema de reservatórios da bacia. Segundo apresentado nas primeiras reuniões que acompanhei, os índices de chuva ocorridos no último ciclo hidrológico foram bastante baixos, estando qualificados dentre os piores da série histórica disponível, condição preocupante para o sistema operacional da bacia. Esse aspecto reflete de forma direta na condição de vazões escoadas na bacia hidrográfica do rio São Francisco com valores bastante baixos e tendência de redução para o mês de setembro, que não apresenta previsão de chuvas”, apontou.
Sem descartar a possibilidade de que a bacia do São Francisco sofra uma nova crise, o consultor acrescentou ainda que os reservatórios de Sobradinho e Três Marias vêm sendo deplecionados mais rapidamente do que as previsões apresentadas pelo ONS.
“Em análise das informações expostas pelo representante do ONS, considera-se que está sendo assumido um risco alto ao permitir que Sobradinho escoe vazões defluentes da ordem de 1.400m3/s e Xingó em 1.500m3/s no mês de setembro, levando o reservatório de Sobradinho a atingir 40% de seu volume útil em 01 de outubro, mesmo que tais previsões sejam acertadas. Nesse sentido, é fundamental que o ONS desenvolva simulações minimamente até o final do ano ou final do próximo período chuvoso, considerando cenários de chuvas inferiores às médias históricas, como as que vêm ocorrendo nos últimos anos. Apenas após a realização de tais cenários deveria ser discutido o incremento de vazões defluentes dos reservatórios de Sobradinho e Xingó, uma vez que poderiam levar ao incremento de situação de crise hídrica na bacia”.
O presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, reforça a preocupação com a possibilidade de que, diferente das bacias das regiões Sudeste e Centro-Oeste, onde chove historicamente mais, a bacia do São Francisco não consiga se recuperar e assuma uma nova crise hídrica.
“Sabemos o quanto custou a última crise hídrica quando os reservatórios de Três Marias, Sobradinho e Itaparica chegaram a níveis críticos, próximos do volume morto. Todos se lembram do Dia do Rio, às quartas-feiras, quando todos os usos, menos o abastecimento humano, suspendiam suas captações para evitar o pior na nossa bacia. Em agosto do ano passado os reservatórios estavam operando na faixa acima dos 80%, agora estamos abaixo dos 50%, e o Operador Nacional do Sistema está adotando medidas que nos preocupam, chegando a se considerar normal que possamos chegar em novembro com 15% de volume no nosso maior reservatório, que é Sobradinho”, alertou o presidente.
PACTO DAS ÁGUAS: O Pacto das Águas, instrumento político cujo escopo e metodologia foram aprovados em reunião plenária em 2020, envolve a União, os Estados, Municípios e os Comitês das Bacias Hidrográficas em compromissos de alocação de água por sub-bacia e definição de vazões de entrega na calha principal, diferenciadas conforme as regiões e atendendo a critérios de sazonalidade e níveis de água a jusante, em particular na calha principal, priorização dos diferentes usos, definição das regras de gestão operacional dos principais reservatórios, entre outros.
O presidente do CBHSF afirma que o objetivo é viabilizar a mobilização financeira e orçamentária para a concretização do Plano Diretor da BHSF e harmonizar a gestão das águas entre todos os Estados da Bacia universalizando os instrumentos da gestão hídrica na bacia, sub-bacias e microbacias do São Francisco.
“O Pacto das Águas pretende harmonizar a gestão entre todos os Estados da bacia e é preciso que eles, além da União, em conjunto, harmonizem sua gestão e para isso, é necessário, evidentemente, que se faça da forma mais voluntária possível na equação do ‘ganha-ganha’, ou seja, voluntariamente, discutirem formas de cooperação e gestão que seja benéfica para todos, visto que temos um cenário comum: um insumo que é o principal para a produção, para a economia e para a vida, que é a água, e o Comitê pode, através do Pacto das Águas construído, fazer essa arquitetura, que é a arquitetura do futuro. Não tem nada que substitua”, concluiu.
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