As últimas declarações do governo sobre a crise hídrica confirmam o que se temia: se não chover o suficiente para que o país volte à média histórica de precipitação, o Brasil poderá enfrentar séria falta de geração de energia elétrica ainda neste ano, o que prejudicará o crescimento econômico esperado para o período pós-pandemia da Covid-19.
A avaliação é feita por representantes da indústria e do setor elétrico ouvidos pelo Metrópoles. De acordo com esses profissionais, poderá faltar energia para sustentar a demanda do país em 2022 também, caso o volume dos reservatórios das usinas hidrelétricas não aumente nos próximos meses.
Apesar de ser pequeno o risco de apagão neste ano, as chances não são descartadas por especialistas. Isso porque a seca dos reservatórios do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que respondem por 70% da geração de energia no Brasil, está cada vez mais severa. Desde outubro de 2020, esse é o menor volume registrado nos últimos 91 anos, e o uso de usinas termelétricas, mais caras e mais poluentes, quase triplicou.
“A probabilidade de termos apagão, como na crise energética anterior [a mais grave, de 2001], é pequena, mas o apagão no bolso de cada consumidor é inevitável, pois a energia está cara e vai aumentar ainda mais”, afirmou ao Metrópoles o sócio-fundador da Elev (empresa especialista em eficiência energética), Rodrigo Aguiar.
A previsão do empresário decorre do recente anúncio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que divulgou nesta semana a criação da “bandeira de escassez hídrica”. O novo valor da taxa extra na conta de luz será de R$ 14,20/100 kWh, alta de 50%, com vigência até 30 de abril de 2022. Para os consumidores, o aumento médio na tarifa será de 6,78%.
Diante desta pressão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez declaração polêmica nos últimos dias, ao questionar “qual o problema da energia mais cara?”. “Quando ouvimos o nosso ministro Paulo Guedes dizer que não se importa com o impacto na economia do país e no bolso das pessoas, a preocupação cresce”, disse o empresário.
“A razão dessas crises é porque o governo atual, assim como os anteriores, não está fazendo a lição de casa correta. Se queremos resolver a instabilidade da dependência meteorológica, temos de quebrar feudos e unir agentes, instituições e mercado, para que, juntos, possamos chegar às melhores soluções e implementá-las”, completou sócio-fundador da Elev.
Além de Aguiar, a consultoria de risco Eurasia também avaliou que a postura do governo não está contribuindo favoravelmente com o cenário. Relatório produzido pela empresa indica que há possibilidade de faltar energia no país ainda neste ano, o que deve comprometer o crescimento econômico e impactar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Redução de energia
Outro ponto levantado pelos especialistas é que as medidas divulgadas pelo governo, até então, podem ser insuficientes para a redução do consumo de energia e para a tentativa de desafogar a geração até novembro – mês para o qual está prevista a volta das chuvas.
Por enquanto, há apenas um programa de estímulo ao racionamento de energia. A medida entrou em vigor somente no dia 23 de agosto.
Batizado de Redução Voluntária de Demanda de Energia Elétrica (RDV), o programa é destinado a grandes consumidores que se disponham, voluntariamente, a diminuir o consumo de energia de quatro a sete horas por dia em, ao menos, 80% do consumo médio diário.
Se isso ocorrer, o governo concederá compensações financeiras aos participantes. De acordo com a Economia, a diferença será retornada ao consumidor via encargos cobrados na conta de luz.
O RDV foi desenhado pelo governo em conjunto com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que está cada vez mais preocupada com as consequências da crise hídrica e que afirmou ao Metrópoles não ter mais “como escapar” dos aumentos de custos.
“A situação piorou, e isso influencia a retomada do setor, porque traz aumento de custos e diminuição de competitividade da indústria. Ainda não temos noção do impacto tarifário na retomada, mas em breve teremos esse número”, ponderou Roberto Wagner Pereira, especialista em infraestrutura da CNI, à reportagem.
De acordo com pesquisa da CNI, nove em cada 10 empresários estão preocupados com a deterioração da competitividade do produto nacional e com o risco de racionamento.
Pequenas e médias empresas
Segundo levantamento realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a conta de energia representava, em 2019, 15% dos custos operacionais das micro e pequenas empresas, mas, desde 2020, esse gasto já passou a ser a principal despesa para 28% dos pequenos empreendedores.
No diagnóstico do diretor-geral da América Latina da Fluke do Brasil, Luiz Ribeiro, o país precisa se reinventar para que as pequenas e médias empresas não sejam obrigadas a parar suas operações por falta de energia quando ocorrem situações como a atual.
“Em caso de racionamento de energia, oito em cada 10 dessas empresas teriam prejuízos, sendo que, em 48% delas, o dispêndio seria considerado alto. Apenas 20% não seriam prejudicadas, exatamente por utilizarem outra fonte de energia na linha de produção, não dependendo da energia hidrelétrica”, explica.
Para Ribeiro, só se terá maior tranquilidade em relação ao abastecimento de energia no país quando a representatividade hídrica no Brasil for inferior a 40%. Hoje, essa participação é de 63,8%.
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