No Salitre, interior de Juazeiro, Bahia, a juventude ganhou visibilidade, dentro e fora da sua região, ao mostrar as belezas locais e problematizar as mazelas enfrentadas pela população local. Às vezes gerando incômodo com suas denúncias, o grupo, batizado como Carrapicho Virtual, referência ao espinho que gruda na roupa ou na pele gerando muito desconforto, desenvolve o senso crítico a partir da educomunicação e assim contesta e promove debates sobre diversas temáticas, a exemplo da identidade, arte, cultura, política e comunicação.
Com a proposta de trazer a voz da juventude para dentro do debate da comunicação, o Carrapicho foi um dos convidados para compor a programação do Mês da Comunicação Popular, evento organizado pelo Governo do Estado da Bahia. O grupo contribuiu no debate de um dos seminários e na facilitação de oficinas de fotografia e cordel, uma experiência nova, explica o jovem fotógrafo Marcos Santos, que integra o Carrapicho.
"Compartilhar um pouco do meu conhecimento com essas pessoas foi algo gratificante", conta feliz. Marcos ministrou a oficina de fotografia com o celular, que obteve boa aceitação do público. "Muita gente que participa de projetos sociais, de cooperativas e falavam que precisavam fazer essa oficina porque queriam aprender técnicas para divulgar os seus produtos ou divulgar o que faz", detalha.
Uma barreira muito comum quando se discute a Educomunicação é o risco de se limitar ao olhar técnico. Mas Manuela Conceição demonstrou durante sua fala no seminário "Comunicação popular e Fake News", que esta barreira foi superada pelo Carrapicho. "Eu costumo dizer que essa atuação vai para além das técnicas, de um objetivo final. Eu acho que é muito o processo, é a construção, é a forma como esse jovem, essa jovem vai se enxergar atuante em sociedade, sobretudo em comunidade. Então é se enxergar como pessoa que precisa ocupar os espaços de poder da sua comunidade", expõe Manuela, apontando para a carência de consolidação de "uma educação para além das técnicas".
Com o olhar de quem mira no infinito, o Carrapicho enxergou a necessidade de fugir da armadilha da atuação puramente virtual. "A gente entendeu que a discussão teria que ir para além das redes sociais: o Carrapicho desenvolveu o cinema popular, teve a experiência antes da pandemia de turismo de base comunitária, o ecoturismo, que é algo que pode dar certo", relata Manuela.
De iniciantes na Educomunicação O tempo passou muito rápido, na opinião de Érica Daiane, salitreira, jornalista e professora que idealizou o grupo. Ela confessa estar surpresa com a rapidez entre o início e o momento em que o grupo se tornou formador. "Eu não esperava que fosse tão rápido", expressa Érica, que buscou inspiração na experiência da Fundação Casa Grande, no Ceará, onde crianças e adolescentes são responsáveis pela gestão de espaços como rádio, gibiteca e teatro, bem como a produção de conteúdo.
Para Elka Macêdo, membro da assessoria de comunicação do projeto Pró-Semiárido, "o Carrapicho tem sido luz no âmbito da comunicação popular, visto que é um grupo de jovens rurais que tem se fortalecido ano a ano e tem inspirado outros jovens e outras jovens." Segundo a assessora, este foi o motivo para o convite feito ao grupo para facilitar parte da programação do mês da comunicação. "A gente tem muitos resultados positivos do Carrapicho Virtual que não podiam ficar de fora", conta Elka, que destaca o apoio dado ao grupo durante os últimos anos através do projeto Jovens Comunicadores, um braço do Pró-Semiárido.
De acordo com Marcos, a iniciativa do Carrapicho e o apoio de um projeto estatal foram fundamentais para os bons resultados, se consolidando com uma ideia a ser replicada. "Projetos como esse têm que continuar, tem que ser expandido, tem que ser conhecido, tem que haver mais investimento, porque são esses projetos que estão em contato direto com esse público... A juventude quer, ela precisa", explica o jovem, destacando a demanda tanto na zona rural, quanto na periferia.
Em consonância com Marcos, Érica Daiane lembra que "essas experiências surgem da base, das comunidades, dos movimentos sociais, dos grupos e devem ser enxergadas pelo poder público como uma potencialidade que requer investimento público, que requer recursos, orçamento, seja em nível municipal, estadual ou federal", no sentido de proporcionar uma vida mais digna, especialmente para a população do campo.
Apesar de querer permanecer no campo, Manuela defende um movimento de criação da autonomia juvenil, com base nas múltiplas opções para viver, obter conhecimento e trabalhar. "Só a roça como opção? Não! A gente quer ter outros meios, a gente quer estudar, a gente quer ocupar as universidades", aponta a jovem educomunicadora.
As atividades do mês da comunicação serão encerradas na próxima segunda, mas boa parte dos debates está disponível no canal da SDR no YouTube
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