A imagem de esgotos e lixo a céu aberto é uma realidade comum nas comunidades rurais no país. No Brasil, o acesso aos serviços de coleta de lixo e coleta e tratamento de esgoto são direitos assegurados pela Constituição de 1988 e previstos na Lei Nacional do Saneamento (11.445/2007).
No entanto, quase 100 milhões de brasileiros/as não têm acesso a este serviço, conforme aponta o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS 2019.
"Hoje, o esgoto da minha casa é jogado a céu aberto, entrando sapo, muriçoca, inseto", declara Givaldo Sérgio dos Santos, morador da comunidade de Açude da Rancharia, na região de Pinhões, interior de Juazeiro (BA). A falta de saneamento básico favorece o desenvolvimento de doenças.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Trata Brasil, em 2019, foram totalizados 108 milhões de reais em gastos com internações por doenças ligadas a questões hídricas no Sistema Único de Saúde – SUS. Outro impacto negativo na ausência de instalações sanitárias adequadas está relacionado à preservação da natureza, principalmente, solos e nascentes, já que, quando lançado no meio ambiente, o esgoto sem tratamento representa uma ameaça à vida.
Buscando promover melhorias ambientais, sociais e econômicas, além de contribuir na construção de políticas públicas de Saneamento Básico Rural apropriadas à realidade climática do Semiárido brasileiro, desde 2019 o Irpaa tem trabalhado com a formação e implementação de tecnologias de tratamento esgoto e reuso agrícola em nível familiar alcançando centenas de unidades no território Sertão do São Francisco, e atualmente chegou também a Escolas Famílias Agrícolas das redes Refaisa e Aecofaba, nos Estados da Bahia e Sergipe, com unidades de escala comunitária, a qual se aplica a escolas e povoados rurais.
Essa ação viabiliza o acesso ao saneamento básico contextualizado através da coleta e tratamento dos resíduos líquidos e destinando o efluente tratado para reuso em frutíferas e plantas forrageiras. Além de financiamento da cooperação internacional, as ações contam também com apoio do governo do Estado da Bahia através do Pró Semiárido para estruturação de sistemas de tratamento de esgoto e de reuso de água, com o INSA para dimensionamento e aperfeiçoamento, e com a Univasf, através do laboratório de engenharia ambiental, para análise de eficiência dos referidos sistemas. As famílias e escolas beneficiadas, assumem serviços de contrapartida na implementação, o manuseio dos sistemas pós implante, e também se comprometem em promover a difusão de saberes inerentes ao tema.
Na comunidade Açude da Rancharia, a qual dispõe de algumas residências próximas, o Instituto iniciou recentemente a implementação da primeira unidade de tratamento de esgoto de escala comunitária ao nível de povoado. " Além de tratar o esgoto por uma questão ambiental, que é um direito (...) a gente também vai tratar das questões formativas, discutir o saneamento com as famílias, a manutenção do sistema, que eles que vão operar. Vamos discutir também as questões dos resíduos sólidos e trabalhar as questões ambientais, considerando as mudanças climáticas e a Convivência com o Semiárido", declara o colaborador do Irpaa Clerison Belém.
O projeto piloto beneficiará 18 famílias que residem na referida comunidade e terá como principal desafio a operacionalização e gestão do sistema a ser feito pelos próprios beneficiários. Através do SAAE, a Prefeitura Municipal de Juazeiro apoia a ação. Para o Vice-prefeito Leonardo Bandeira que vê a ação como inovadora e de grande importância para a sociedade juazeirense, a parceria entre o Irpaa e a prefeitura pode "contribuir para ampliar essa iniciativa em outras comunidades no município", afirma o Vice-prefeito.
O agente comunitário e membro da associação local, Adailton Almeida de Oliveira, acredita que o tratamento adequado do esgoto vai trazer "saúde e enriquecimento para nossa comunidade". Segundo Adailton o tratamento do esgoto possibilitará que as pessoas percebam a importância do reuso. "A escassez de água que terá no mundo, não só no Brasil, vai fazer as pessoas sentirem a necessidade de fazer esse reaproveitamento", enfatiza o agente comunitário.
O sistema de tratamento de esgoto total implementado na comunidade utilizará a tecnologia Reator UASB, que trata tanto as águas cinzas (provenientes das pias e chuveiros), como águas fecais (de vasos sanitários) – por isso se chama esgoto total. O tratamento biológico se dá através de um processo de fermentação anaeróbico, de fluxo ascendente via reator UASB o que promove remoção de grande parte da matéria orgânica do esgoto, e separação de sólidos, gases e líquidos.
Em seguida o efluente repousa por cinco dias sobre lagoas de polimento, de um metro de profundidade para ocorrer a eliminação de bactérias (desinfecção) por meio de raios solares, deixando a água pronta para ser reutilizada na agricultura pelas famílias. A combinação de tempo e profundidade ideal à desinfecção, sendo 5 dias de exposição ao sol, com profundidade mínima e 0,6m e máxima de 1,0m, possibilita eliminar microrganismos e preservar nutrientes como fósforo e nitrogênio, importantes para o crescimento vegetal.
"O sistema que a gente está implementando aqui tem a capacidade diária de tratar 10 mil litros de esgoto. A comunidade hoje produz de cinco a seis mil litros, então esse sistema já atende uma expectativa de ampliação", explica Clerison Belém. Uma das finalidades de uso dos efluentes tratados é a produção de forragem, considerando que caprinovinocultura é a principal fonte de renda das famílias, como aponta Adailton Almeida.
Essa utilização anima Givaldo Sérgio dos Santos, que no ano 2020 produziu muita silagem, devido às chuvas. "Esse ano eu não fiz, porque nossa água é pouca e se todo mundo fosse plantar, não dava", comentou o agricultor. Agora ele acredita que com o sistema de reuso a produção de forragem vai aumentar, reduzindo a dependência de compras de ração, o e com isso mais economia e maior qualidade na criação de cabras e ovelhas.
A ação que leva a esperança de acesso ao saneamento básico para as famílias do Semiárido, contemplando a comunidade de Açude da Rancharia faz parte do projeto executado pelo Irpaa, que tem por objetivo trabalhar a proposta de Convivência com o Semiárido e Adaptação às Mudanças Climáticas, com investimento do Governo alemão, intermediado pela Cáritas Alemã.
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