Nina estava no portão de casa, naquela sexta-feira friorenta de Sorocaba, interior paulista, agasalhada pelo moletom.
Um homem aproximou-se, fez gestos amistosos e, surpreendentemente, retirou-lhe a vestimenta fugindo com o traje. Não houve agressão física e a vítima evitou reagir. Uma amiga da família apiedou-se da ofendida e presenteou-lhe no mesmo dia com nova roupa.
Sequer prestou-se queixa na polícia, mas tudo foi filmado por uma câmara de segurança e se transformou num assunto muito visto na imprensa.
Quem estudou jornalismo, aprendeu no primeiro dia de aula que notícia é o acontecimento novo ou que divulga uma novidade em torno de fatos já revelados. O exemplo comum é que será notícia o homem que morde o cachorro no lugar do comuníssimo caso do cachorro que morde o homem. Essa história, por desinteressante, acabaria no primeiro parágrafo, não fosse Nina uma cadela de olhar amigável; o moletom furtado, andrajos de gente adulta cortados nas mangas para ajustar-se ao ser de quatro patas; e o ladrão, um morador de rua que furtou os trajes caninos para se aquecer. É gente que olhamos sem enxergar. Às vezes, furta em estado de necessidade. Mudo de rumo para não resvalar na pieguice.
Gosto de animais. Que o diga Laila Fernandes, uma yorkshire de dois anos de idade que adora passear de automóvel na cadeira ao lado do motorista, revelando péssimo humor se algum desavisado assume o assento. Nesse instante, reivindica o lugar com os olhos e as patas. A culpa é minha, que não soube educá-la. Na contramão da estima, desperto meus instintos selvagens quando vejo o homem agredir um bicho, exceto, talvez, se o animal for um escorpião – ou outros do gênero - subindo pelas humanas pernas.
Há casos que fazem renovar a fé na bondade transformadora da espécie humana, antes que um asteroide sem bússola colida com o planeta Terra e nos jogue literalmente noutro espaço. Conheço alguns exemplos de pessoas dedicados ao bem. Um casal amigo da região do cerrado são tutores de quase trinta cães, na maioria deles acolhidos quando viviam nas ruas, ao Deus-dará. Estavam em péssimas condições, Hoje, todos possuem casa, comida, assistências veterinária e hospitalar, afeto incluso no pacote.
O Brasil já é o segundo mercado pet no mundo, atrás dos Estados Unidos, e faturou R$ 34,4 bilhões, no ano passado, conforme uma associação de empresários do ramo. Entre calopsitas, gatos e peixes, há mais de 140 milhões de animais de companhia nos lares brasileiros, dos quais mais de 55 milhões são cães, imbatíveis na preferência.
Outros exercícios de anônima filantropia me comovem. Tomo, por exemplo, os que, na madrugada, se dispõem a ir às ruas da cidade, munidos de coragem e amor ao próximo, distribuindo comida e água para os quem não tem teto nem trato. Estes alimentam o corpo; aqueles fortalecem o espírito, pois o altruísmo reduz o nível de estresse e atrai equilíbrio emocional.
Em alguns países da Europa, os animais não humanos já são considerados seres portadores de direitos. As ideias, no Brasil, avançam nos ramos do Direito Constitucional e do Direito Ambiental. Seguem o rumo de que possuem natureza jurídica sui generis e são, portanto, sujeitos de direitos despersonificados. Eu aplaudo e estimulo a evolução. A felicidade será completa no dia em que, na fria Sorocaba ou em qualquer outro lugar, o ser humano não necessitar do traje furtado de um pet.
Og Marques Fernandes Ex-repórter do Diario de Pernambuco
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