A Floresta Nacional (Flona) do Araripe-Apodi, no Ceará, completou 75 anos de criação ontem domingo (2). É a primeira floresta nacional do Brasil. Criada para manter as fontes de água do semiárido e barrar o avanço da desertificação no Nordeste, a unidade de conservação (UC), gerida atualmente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), consolidou-se durante todo esse tempo e presta hoje cada vez mais serviços ambientais.
Em 2 de maio de 1946, o então presidente do Brasil, Eurico Gaspar Dutra, assinou o Decreto 9.226 que determinava a criação da Flona, administrada atualmente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. A unidade abrange os municípios cearenses de Santana do Cariri, Crato, Barbalha, Missão Velha e Jardim.
Criada em duas glebas distintas – uma na Serra do Araripe, que abrange, além do Ceará, os estados de Pernambuco e Piauí; e a outra, na Serra do Apodi, entre os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte –, a Floresta Nacional do Araripe-Apodi nasceu subordinada ao Serviço Florestal, ligado na época ao Ministério da Agricultura.
A sua localização foi definida conforme as prioridades apresentadas pelos gestores ambientais da época, com a água no semiárido e o combate ao avanço do processo de desertificação no Nordeste. As chapadas do Araripe e do Apodi são conhecidas como duas grandes cisternas que captam as águas durante a estação das chuvas, liberando-as para a flora e a fauna e para as populações sertanejas, ao longo da estação seca.
Estudos feitos nos anos 1990, que embasaram a criação da APA Chapada do Araripe, contígua à Flona do Araripe-Apodi, identificaram 307 fontes jorrando das faldas (base das montanhas) do Araripe, sendo oito vazando para a bacia do Parnaíba, 54 para a bacia do São Francisco e 245 para a bacia do Jaguaribe.
Não é por acaso que nas secas calamitosas que assolam o Nordeste, os brejos úmidos do Araripe e do Apodi constituem áreas de refúgio para a fauna e berço de recursos para as comunidades do entorno.
Ela foi criada em um área de transição de ecossistemas que compreende fragmentos de Mata Atlântica e de Cerrado em plena Caatinga. Na gleba Araripe encontram-se ambientes de mata úmida, cerradão, cerrado, carrasco e as respectivas transições - uma diversidade de ecossistemas que se constitui em importante refúgio de espécies raras e ameaçadas de extinção como Penelope jacucaca, Sclerurus scansor cearenses, Antilophia bokermanni, Procnias averano averano e Sporagra yarellii.
A criação da UC provocou forte resistência dos latifundiários locais, que detinham o poder político e conseguiram impedir a demarcação da gleba Apodi e retardar por 37 anos a demarcação da gleba Araripe. Diversos chefes da Flona defenderem arduamente a biodiversidade nativa em suas variadas formas e o interesse coletivo das presentes e futuras gerações.
A Flona Araripe-Apodi conta com conselho consultivo desde 2001 e com plano de manejo desde 2005 (Portaria nº 81). Administrativamente está organizada por áreas temáticas: Administração, Uso Público e Produção Sustentável; Proteção, Fiscalização, Pesquisa e Monitoramento da Biodiversidade, Educação Ambiental, Manejo para a Conservação e Consolidação Territorial.
Integram o quadro da Flona seis analistas ambientais e dois técnicos ambientais, um estagiário, seis vigilantes e dois terceirizados nos serviços de limpeza e conservação. No período crítico em relação a incêndios, que vai de julho a dezembro, a Flona conta com 18 brigadistas que cuidam da prevenção, combate e recuperação das áreas afetadas pelo fogo.
A Flona tem sido um espaço privilegiado para a pesquisa. Em 2015 foi lançada na UC a publicação “Sociobiodiversidade na Chapada do Araripe”, editada por Ulysses Paulino de Albuquerque e Marcos Vinicius Meiado, que trouxe 23 trabalhos científicos sobre geologia, micologia, botânica, zoologia, etnobiologia da Flona e da APA Chapada do Araripe, ambas administradas pelo ICMBio.
Entre os maiores problemas enfrentados pela Flona Araripe, estão a pressão antrópica (do homem) decorrente da metropolização do Cariri cearense, os incêndios florestais, a caça ilegal, o lançamento de lixo por parte de usuários das estradas que cortam a UC e por visitantes, o atropelamento de fauna e o vandalismo.
“A grande lição da Flona Araripe para o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) tem sido seu poder de resiliência, pois enfrentou em seus 70 anos abusos, descasos e toda sorte de ameaças. Todavia continua prestando serviços essenciais para a região metropolitana do Cariri, para o Nordeste brasileiro e para toda biosfera”, explica Francisco Willian Brito Bezerra, analista ambiental da UC.
Segundo Francisco, o geossistema Araripe constitui um microclima privilegiado no semiárido. Tanto que mais de 200 espécies de aves encontram na Flona abrigo e alimento. Sua flora generosa sustenta o solo evitando deslizamentos de massa capazes de destruir comunidades inteiras. Famílias pobres retiram da floresta alimento, remédio e complemento de renda.
“Na Flona pesquisadores acham pistas sobre a evolução da vida no planeta; religiosos de diversas crenças encontram uma ligação com o criador; estudantes adquirem conhecimentos, desenvolvem habilidades, constroem valores e atitudes ecologicamente sustentáveis; artistas se inspiram; atletas praticam esportes e ganham saúde; visitantes se encantam”, conclui Verônica Maria Figueiredo Lima, chefe da Flona Araripe-Apodi.
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