Na fase que antecedeu a pandemia, ganhava cada vez mais força na academia brasileira e, diga-se de passagem, não somente na brasileira, a Teoria da Ação Racional, que preconiza que somos atores racionais e estamos, na convivência social, racionalizando os nossos interesses.
Nessa perspectiva, solidariedade seria coisa de visionário, já que o que existe, de fato, seria interesse. Isso significa dizer que ninguém pensa em ajudar alguém, sem antes fazer o cálculo do custo-benefício: o que é que vou ganhar ajudando? Se não ganho nada, não ajudo ninguém. Essa é uma perspectiva baseada no mercado. Ou seja, a lógica do mercado trazida, também, para as relações sociais.
Para os mercadocêntricos essa pode ser uma forma de aplacar a consciência; isso porque, defender a prevalência do mercado frente ao Estado, em uma sociedade como a brasileira, marcada pela desigualdade e pela concentração de renda, tem duas explicações, na minha perspectiva: ignorância ou muita indiferença frente ao sofrimento do outro. Na realidade brasileira, como pensar que todos partem do mesmo ponto e, se alguns chegam a atingir o sucesso e outros não, o que não chegou não foi competente o suficiente, ou seja, não se esforçou o suficiente.
Em última instância, culpa o pobre por ser pobre! Para os que pensam assim, sempre que o Estado promove Políticas Sociais para amparar aqueles que, necessariamente, irão ficar no percurso, o Estado está sendo paternalista, ou seja, contribuindo para a acomodação das pessoas, quando o que precisa ser incentivado é o empreendedorismo. Caberia ao Estado, isto sim, criar as condições favoráveis para que os mais ricos produzam riqueza e, pela ação do mercado, essa riqueza produzida se espraiaria, beneficiando a todos na sociedade.
Na lógica do mercado, de fato, não existe espaço para a solidariedade, para a humanidade, já que a lógica é gerar valor. Segundo Norberto Bobbio, pensador italiano, o neoliberalismo, diferente do liberalismo clássico, que tinha uma preocupação política, é uma doutrina econômica, em que a política aparece apenas como um mero corolário.
Este é um modelo que, efetivamente, produz muita riqueza, mas essa riqueza fica concentrada nas mãos de poucos, que se tornam cada vez mais ricos, enquanto a maioria fica cada vez mais pobre. Na vigência do liberalismo clássico isso ficou evidente, com a crise de 1929/30, quando o capitalismo entrou em crise, por falta de consumo, levando à necessidade de repensar o modelo. Alguns, certamente, justificarão, dizendo tratar-se de outro momento histórico, em que as circunstâncias eram outras.
Perfeito, o que não é possível negar, porque a realidade fática não permite, é que estamos vivendo uma concentração de renda, que a Revista Forbes tem contribuído para trazer à tona. Para os que insistem em não admitir, a pandemia que vivenciamos escancarou a realidade da sociedade brasileira, além de pôr em xeque a ideia de que somos apenas atores racionais, tentando otimizar os nossos interesses, porque o que presenciamos, todos os dias, é a sociedade mobilizando-se para impedir uma enorme mortandade, por inanição, ao lado da catástrofe sanitária provocada pela pandemia.
As evidências parecem apontar para o fato de que não somos apenas atores racionais, buscando otimizar os nossos interesses; afinal, contra fatos não há argumento que se sustente.
Luiza Maria Pontual Costa e Silva-Socióloga, Doutora em Ciência Política pela Universidad Autónoma de Madrid e Professora
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