O STF (Supremo Tribunal Federal) começou a decidir, nesta quarta-feira (7), se governadores e prefeitos podem proibir a realização de cultos religiosos com o objetivo de conter o contágio da Covid-19, doença que já matou mais de 340 mil pessoas no Brasil. O julgamento foi suspenso e será retomado na quinta-feira (8).
A sessão foi interrompida nesta quarta após o relator, Gilmar Mendes, votar que a ação é improcedente e que estados e municípios podem restringir atividades religiosas conforme for necessário para conter a transmissão da doença.
"Ainda que qualquer vocação íntima possa levar à escolha pessoal de entregar a vida pela sua religião, a Constituição Federal de 1988 não parece tutelar o direito fundamental à morte"
O processo será retomado com o posicionamento do ministro Nunes Marques. A seguir, votam Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux, presidente da Corte, nessa ordem.
Gilmar considerou que as restrições temporárias não ferem o direito de liberdade religiosa. Para ele, a liberdade de culto não é absoluta, mas um direito submetido à reserva legal. Ele relembrou que outros países também adotaram restrições semelhantes, como Dinamarca, Alemanha, Romênia, França, Turquia, Reino Unido e Itália.
“Houve no segundo semestre passado um movimento mundial de restrições à liberdade de culto. Ninguém vai dizer que aqui sejam países de vocação autoritária.”
O ministro também ressaltou que estados e municípios têm autoridade para adotar as medidas necessárias para combater a pandemia. "O pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão", disse.
"É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que estados e municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O Estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os estados e os municípios".
Ele rebateu ainda uma fala do advogado-geral da União, André Mendonça, que disse que os cultos estariam sendo discriminados, uma vez que o transporte público está lotado.
“Quando o senhor fala dos problemas dos transportes no Brasil, fala do problema do transporte aéreo, poderia ter entendido que o senhor teria vindo de uma viagem a Marte. O senhor era ministro da Justiça e tinha responsabilidades, inclusive de propor medidas. Veja, portanto, me parece que está havendo um certo delírio nesse contexto geral."
"Não tentemos enganar ninguém, até porque os bobos ficaram fora da corte"
No último sábado (4), Nunes Marques liberou a participação do público em celebrações religiosas, argumentando que são atividades essenciais. Dois dias depois, Gilmar negou um pedido semelhante e manteve a proibição desses eventos no estado de São Paulo, levando em conta o grave momento da crise sanitária.
Nesta quarta, o país registrou mais 92.625 casos e 3.829 mortes por Covid-19, de acordo com dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde). Ao todo, já foram confirmados 13.193.205 diagnósticos e 340.776 vítimas da doença.
O presidente da Corte, Luiz Fux, considerou que o assunto impõe uma "escolha trágica" para a Corte. "Essa é uma matéria que nos impõe uma escolha trágica e que temos responsabilidade suficiente para enfrentá-la, nossa missão de juízes constitucionais, além de guardar a Constituição, é de lutar pela vida e pela esperança" afirmou.
PGR e AGU a favor da liberação
Antes, o advogado-geral da União, André Mendonça, e o procurador-geral da União, Augusto Aras, se manifestaram sobre o assunto e disseram ser contra qualquer restrição aos cultos coletivos.
Mendonça, em sua primeira manifestação após retornar ao cargo, condenou medidas de combate à pandemia, como o toque de recolher, dizendo que são "incompatíveis com o Estado de direito".
"Eu tenho certeza que há limites e que o STF não deu um cheque em branco a governadores e prefeitos. Medidas de toques de recolher não são medidas de prevenção à doença, é medida de repressão própria de estados autoritários", afirmou.
"O governador e o prefeito podem fazer qualquer medida, sem passar pelo Poder Legislativo local? Não existe controle? Não se tem que respeitar proporcionalidade? Não se impedem medidas autoritárias e arbitrárias? Se permite rasgar a Constituição?", questionou.
Ele defendeu a participação do público em cultos nesse momento. "A Constituição brasileira não compactua com o fechamento absoluto e a proibição das atividades religiosas. Não compactua com a discriminação das manifestações públicas de fé”, disse.
Augusto Aras também se manifestou a favor da liberação. "A Constituição, ao dispor sobre liberdade religiosa, assegura livre exercício dos cultos religiosos. Decretos e atos, ainda que decorrentes de uma lei ordinária, podem ter força para subtração e direitos fundamentais postos na lei maior?", questionou.
"É necessário relembrar o lugar da religião num estado democrático de direito, e ter presente que o estado é laico, mas as pessoas não são. A ciência salva vidas, a fé também", afirmou.
Tanto Aras quanto Mendonça são considerados fortes concorrentes à cadeira de Marco Aurélio Mello, decano do STF que se aposentará em julho deste ano.
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