Foto: Em pé: Tarcísio, Lael e Baixinho (Adelson). Sentados: Didigo, Cicinho, Alcides e Vavá.
Era o tempo da jovem guarda... do iê-iê-iê. Eu era menino e Tarcísio já tocava no Conjunto musical “Os Geniais” – que marcou época em Ouricuri. Ele foi o nosso primeiro contato com a figura e a mística do artista que lança moda e descortina as sensações de novas tendências.
Numa cidade pequena, afastada dos grandes centros e com fraca ressonância dos meios de comunicação de massa, no final dos anos 1960, a meninada tinha que se virar pra encontrar os seus ídolos.
Pra boa parte da cidade, Tarcísio era a imagem e trazia a sonoridade dos novos tempos, que só conhecíamos pelo rádio e pelos escassos LPS que sacudiam a poeira das sisudas – e poucas – radiolas que enfeitavam as salas das casas privilegiadas da cidade.
Era um rapaz que, como poucos, amava a vida e deixava os cabelos e a mente voarem aos ventos da moda do seu tempo. Irreverente e carismático, tocava violão e circulava com desenvoltura em todos os meios. Tarcísio trazia nas veias o fogo da inquietação juvenil.
De família humilde, e até estigmatizada, pela forma liberal e sem falso pudor, com que levava a vida, Tarcísio despontou entre os outros jovens que aderiram, na cidade, ao novo modo de diversão e comportamento; foi ele que trouxe a mística do “jovem rebelde” pra perto da gente.
Quem, como nós, tinha Tarcísio, se sentia compensado pelo distanciamento para com os grandes artistas da nova cena musical do país, como Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso... que pairavam congelados nas inalcançáveis imagens das capas dos LPS; sendo idolatrados como se fossem seres extraordinários – habitantes de uma outra dimensão, muito superior à nossa.
Tarcísio estava ali, e diariamente se dava o fenômeno de um “santo de casa” que fazia e acontecia no próprio terreiro. Gozava da admiração dos meninos – que mitificavam as suas proezas reais e imaginárias –, de unânime cumplicidade no meio da rapaziada e descontraída aceitação por grande parte da sociedade local.
Não havia “curriola” no patamar ou na praça da igreja; no Palanque; no Caramanchão e nos bancos da Praça dos Voluntários; nos bares de Boemia, de Dermeval, de Chiquinho Américo... em que Tarcísio não esbanjasse a voz da sua espontaneidade e a alegria contagiante do seu violão.
Ele chegou a fazer parte do grupo de artesãos da Sapataria de Nozinho Siqueira, onde o seu criativo bom humor se encaixou no clima de “pura malícia”; cravado, ali, pelos sapateiros. Encontrava, ainda, em Paulo Siqueira – filho do proprietário – um dos mais preciosos camaradas para as noitadas boêmias, que ele, sem embaraço, também encarava.
Em muitas ocasiões também se inseriu, o nosso inquieto personagem, em homéricas farras diurnas que incendiavam os bares – com um vendaval de empolgada nostalgia; tendo ficado, algumas delas, nos anais boêmios da cidade – como a da comemoração da final da Copa de 1970, no Bar de Demerval, em que ele acompanhava ao violão o coro de vozes embriagadas, quando no final de “Senhor da Floresta”, o mundo quase veio a baixo com o estrondoso aplauso: “Muito bem cumpadre Erasmo!...”
E pra tornar ainda mais emblemática a sua passagem por uma época da cidade e das nossas vidas, um certo dia, como que por encanto, Tarcísio simplesmente desapareceu; furtiva e misteriosamente, como aconteceu com outros obstinados sertanejos, apenas “anoiteceu e não amanheceu.”
Ficou, na cidade, um grande vazio e um vendaval de especulações sobre o que teria levado uma pessoa tão leve e, até onde se sabia, sem nenhum conflito de relacionamento, a um ato tão drástico; gerando um caloroso “bafafá” pela surpresa e pela forma inusitada da sua partida
Foram muitas – e continuam até hoje – as não confirmadas versões sobre a evasão de Tarcísio. O imaginário popular se esbalda em estórias, cada uma mais fantasiosa do que a outra, sobre o seu paradeiro e trazendo dramáticos supostas confissões do nosso marcante personagem.
Em uma dessas ele teria sido encontrado por um caminhoneiro, no interior de Minas Gerais; em outra, nos confins de Goiás... Relatos também variados e cíclicos davam conta de, o precioso representante de uma época da nossa cidade, ter sido contactado por alguém de Ouricuri, nas ruas de São Paulo...
Na verdade Tarcísio nunca foi embora. O som do seu violão nunca deixou de ressoar na nossa memória mais sensível. Ele sempre terá os cabelos ao vento, os trajes extravagantes, a irreverência à flor da pele... no plano atemporal da cidade que trazemos em nós.
Maurício Cordeiro Ferreira- escritor e fundador Sebo Rebuliço
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