Furar fila é um daqueles atos que integram o famoso e questionável “jeitinho brasileiro”, expressão que tenta banalizar atitudes desonestas e distantes da ética, e que se junta a tantos outros hábitos enraizados como o de não devolver troco errado, usar indevidamente carteira de estudante e por aí vai.
Se no passado essas e outras atitudes eram feitas meio que às escondidas e permaneciam às escuras no popular “fica entre nós”, atualmente, na sociedade da imagem e do espetáculo, elas são escancaradas nas redes sociais.
Longe de propor uma simplificação de um tema tão complexo e com tantas perspectivas de discussão, acredito que se faz cada vez mais necessário debater o comportamento ético nas redes sociais, ou a ausência dele. Episódios como a divulgação por parte de prefeitos, gestores públicos e profissionais que não são do grupo prioritário, os “fura-filas” das vacinas contra a Covid-19, revelam não só atitudes que se proliferam no ambiente virtual, mas escancaram o desrespeito às normas, a valorização do privilégio individual e toda a sua nocividade para o coletivo. Afinal de contas no mundo em que a minha vida basta, que se danem os outros. Se trata da minha imagem, não de ética, dizem alguns.
Não sabem eles que um caminho para que atitudes como essa sejam escassas e cada vez mais combatidas seja justamente o que eles rejeitam, o pensar, agir e questionar. Somos éticos quando pensamos sobre nossas ações, levando em conta valores comuns que nos fazem ser, relacionar-se e preservar como sociedade. Pensar eticamente exige reflexão, algo que muitas vezes é dissociado da urgente necessidade de exposição nas redes sociais mesmo quando o que está em jogo é a desonestidade. Por que estou agindo assim? Que motivos me levam a ter essa atitude?
Por meio da ética podemos separar o bem e o mal e perceber que nesta teia de relações que moldam a nossa vida como indivíduo e sociedade, as nossas ações não falam apenas por si nas nossas redes, mas se refletem no coletivo.
E por isto que não podemos, enquanto sociedade, deixar de se indignar com atitudes como as destes vacinados que devem ser encaradas como são: falta de ética, desonestidade e, de certo modo, corrupção. Exigir respostas do poder público também. Definitivamente os fura-filas não merecem nossos likes.
Daniella Brito-Jornalista, professora, assessora de imprensa e mestre em Sociologia
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