Como os nordestinos se tornaram parte fundamental de São Paulo que completa 467 anos

25 de Jan / 2021 às 22h30 | Variadas

Maria, 58, nasceu na Paraíba e só encontrou o marido, o pernambucano Toninho, 63, porque veio para São Paulo. Já Cloves, 53, e Josete, 49, se casaram em Pernambuco, mas com a primeira filha a caminho decidiram tentar a sorte na capital. Outra Maria, 63, veio de Alagoas a passeio e não voltou. José, 63, nasceu em Sergipe, mas foi na zona leste paulistana que se encontrou como garçom. 

Em comum, essas histórias ilustram como a cidade de São Paulo se tornou parte da história nordestina. Desde ao menos a década de 1940, a população desses noves estados contribui em diferentes aspectos para a construção e desenvolvimento da cidade que comemora 467 anos nesta segunda-feira (25). Essa contribuição vai muito além da mão de obra da cidade e do plano econômico.

“Há uma contribuição na cultura, arte, urbanização social e uma grande contribuição na política também”, afirma o sociólogo José Carlos Alves Pereira. Pereira atua no CEM (Centro de Estudos Migratórios) da Missão Paz – instituição que atende o público migrante desde os anos 1930 e é editor da revista Travessia. 

Ele pontua ainda que não é possível compreender a formação das periferias do município e da região metropolitana sem a migração nordestina. “São Paulo não teria o mesmo tamanho, a mesma infraestrutura de urbanização que tem hoje se não fossem os migrantes nordestinos e isso, evidentemente, se deve a grande capacidade de organização e de mobilização desses migrantes.”

Não há dados atualizados sobre o número de migrantes na cidade. O último Censo de 2010 mostra que naquela década cerca de 2,3 milhões chegaram a São Paulo, outros 1,8 milhão voltaram. Ou seja, foram ao menos 500 mil nordestinos e nordestinas que ficaram por aqui.

Porém, a presença de várias gerações está tanto no dia a dia quanto na atuação dos descendentes desses primeiros viajantes, que estão abaixo nesta reportagem especial. A Agência Mural ouviu 11 nordestinos que escolheram a capital – com ao menos um representante de cada estado do Nordeste, que contam como fizeram da cidade seu lugar. 

BUSCA DE ESPAÇO: De olho na panela de pressão, enquanto anota o pedido do cliente que está sentado à mesa, pede um minuto a outro que chega, atende o telefone e aproveita para conferir as solicitações de pedidos recebidas por whatsapp. 

É assim, se desdobrando em multitarefas, que a cearense Lucicleide Nunes, 44, mantém um restaurante no piso superior de sua casa, no Conjunto City Jaraguá, noroeste da cidade.

Quando veio para a capital paulista, aos 14 anos, com a missão de cuidar do sobrinho, filho da irmã mais velha, Lucicleide não imaginava como seria sua vida. “Era muito nova. Não tinha como ter planos. O que eu mais queria era vir pra cá. O pessoal falava muito de São Paulo. A ilusão, né? De vir pra cá”.

A microempresária nasceu no município de Iguatu, no Ceará, mas cresceu em Orós. Conta que quando chegou na rodoviária do Tietê ficou admirada com tudo que viu, principalmente com o metrô. “Uma coisa que anda por baixo da terra. No Ceará não tinha isso. Então a gente fica impressionada”. 

Sorrindo, recorda que teve medo de andar no transporte e de usar escada rolante. 

Para sua surpresa, logo que chegou conseguiu emprego com carteira assinada. Adaptou-se rápido ao ritmo frenético de trabalho. O mesmo aconteceu quando Ednaldo dos Santos, 44, com quem tem um filho e é casada há 18 anos, a encorajou a abrir o restaurante em que serve almoço há 10 anos. 

“Meu sonho era trabalhar para ter alguma coisa, mas ter um restaurante, nunca tinha pensado. Ele que me incentivou”. 

“Hoje sou outra pessoa. Conquistei meu espaço. Sou feliz. Jamais imaginei que eu iria conseguir o espaço que tenho”. Mas sabe que as conquistas são reflexos de sua garra. “Não tenho medo de enfrentar a vida, de ir pra cima. Eu vou mesmo”. Assim como ela, muitos buscaram São Paulo com um foco: melhorar de vida.

TERRA DAS “OPORTUNIDADES”
Com sorriso largo, o garçom aposentado José Xavier Filho, 63, vive em São Paulo há 40 anos. Nasceu em Campo do Brito, em Sergipe, onde morou até os sete anos. Também viveu em Aracaju até os 23 anos.

Devido à “vida precária” que levava na capital sergipana, veio morar e trabalhar com parentes em São Miguel Paulista, zona leste da cidade. 

Sete dos 13 irmãos de José já viviam na região quando ele chegou. “Não vim para ajudar meus irmãos, eu vim para ser ajudado. Quando cheguei, tinha só um par de sapatos e quase nada de roupa”.

O primeiro emprego foi como copeiro em um banco. Em poucos meses, a instituição lhe deu a oportunidade de fazer um curso de garçom, profissão que ele almejava desde que morava em Aracaju e trabalhava em postos de gasolina. 

“Via aqueles garçons limpos, cheirosos, bonitões de gravatas e tal, que falavam comigo ‘ei moleque sai daí, você tá sujo’. Eu todo sem graça pensava, um dia vou ser garçom”.

Durante duas décadas trabalhou como garçom de diretoria numa instituição que elabora estudos e pesquisas sobre segurança do trabalho. Até hoje, é orgulhoso da profissão e dos elogios que recebia pelo café. “Como garçom aprendi a seguir sendo humilde, ter paciência. Muita técnica para lidar e trabalhar com as pessoas”. 

Xavier casou-se com a paulistana Odete Maria, e tiveram três filhos. Juntos, construíram a casa em que moram há 30 anos na Vila Nova Curuça, em Guaianases, extremo leste de São Paulo, bairro onde fica localizada a Avenida Nordestina. “Hoje, posso dizer que consegui o que nunca pensei que conseguiria”. 

O sentimento é o mesmo de um outro morador da zona leste: Adalberto, que chegou a ser subprefeito.

PRECONCEITOS: Criado no Piauí, Adalberto Dias de Sousa, 57, foi indicado para o comando da subprefeitura de São Miguel Paulista em 2001 na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy, quando ela era do PT. Se orgulha de ter ficado os quatro anos no posto. “A gente que é nordestino, quando finca a unha num projeto não é fácil nos derrubar, pois trabalhamos muito para fazer dar certo”, afirma.

A posse de um cargo executivo não impediu que sofresse preconceitos. “Em diversos eventos políticos, algumas pessoas passam reto por mim, e depois foram avisadas que passaram direto pelo atual subprefeito. Aí elas voltavam e faziam a social apresentando suas credenciais”.

Professor de história, já viveu cenas parecidas quando estudava em uma instituição particular, onde muitos alunos tinham melhores condições econômicas. Recebia questionamentos como: “por que você não larga a faculdade? Fazê-la vai levar o quê para sua vida?”, relembra ele, que é casado com a paranaense Aparecida Silva de Sousa, também professora, e pai de três filhos.

Esse cenário não foi um problema para quem teve na origem momentos importantes de resistência. Os relatos da família indicam que a avó paterna foi escravizada na Bahia. Ao ser libertada após a Lei Áurea de 1888, migrou em busca de um lugar onde pudesse construir uma casa e plantar. Foi ao lado do Rio Piauí que se instalou, na cidade onde nasceria Adalberto: Anísio de Abreu.

O pai de Adalberto vislumbrou melhores condições em São Paulo, por isso falsificou a idade no RG, de 15 para 16 anos, para poder trabalhar na capital paulista em meados dos anos 1950. “Na primeira vez, ele demorou 45 dias para chegar. Não tinha ônibus direto, as opções eram caminhão, trem a vapor e muita andança até chegar”, afirma.

Alguns anos depois, seu pai voltou ao Piauí, conheceu a mãe e contrariando a vontade inicial dos avós maternos, se casaram. “Meu pai e sua família eram os únicos negros de Anísio de Abreu. Minha mãe insistiu e casou”, diz. “A origem familiar diz muito o que iremos buscar na vida adulta”. 

Com seu nascimento e dos dois irmãos, o pai voltou a São Paulo para garantir melhores condições e, em meados de 1970, manda buscar toda a família. “Viemos de busão, um ônibus que quebrou bastante. Três dias e três noites para chegar, essas eram as melhores condições da época”.

Desembarcam em um cortiço na Vila Carioca, no Ipiranga, na zona sul. Após um ano, se mudaram para Mauá, na Grande São Paulo, onde ficaram mais 12 meses até se mudarem definitivamente para São Miguel Paulista, onde o pai comprou uma casa pequena. 

“Meu pai parava numa banca de jornais no Brás e fazia eu ler todas as capas expostas em voz alta. Até hoje não sei se ele fazia isso para confirmar que eu sabia ler ou se era para ele saber das notícias”, recorda.

Apesar dos pais serem analfabetos, sempre incentivaram os estudos dos filhos. “Meu pai dizia que além de trabalhar tinha que estudar”. Até hoje, Adalberto recorda do pai dizendo: “Meus filhos vão se formar aqui em São Paulo”.

E ele se formou. Apesar de ter pensado em trabalhar como cobrador ou motorista de ônibus [admirava as profissões], ingressou no curso de história. Durante a ditadura militar, se aproximou de um grupo católico de jovens e entendeu que poderia lutar por melhorias para o bairro.  

O bairro escolhido por Souza é um dos principais redutos de nordestinos na capital – muitos deles vieram para trabalhar em um indústria química ou para acompanhar familiares que atuavam ali.

É em São Miguel que está a Praça do Forró, justamente pela ampla presença da cultura nordestina forte no bairro. O crescimento do distrito fez com que fosse apelidado de ‘Bahia Nova’ nos anos 1950. Mas os baianos estão espalhados por muitos outros bairros da cidade. 

‘NOVA BAHIA:’ Durante o ‘boom’ da migração nordestina nos anos 1970, muitos eram rotulados de baianos, mesmo sem pertencer ao estado. Até os dias de hoje, a população é mais presente entre os migrantes e estima-se que 1,7 milhão chegaram ao estado, segundo o último Censo. 

Um deles foi Francisco Melo Pereira, 63, mais conhecido como Axé, que veio de Salvador. Em 1980, queria ser cantor e decidiu tentar a sorte na capital paulista, mas essa oportunidade não veio inicialmente. Chegou sem emprego e foi se virando com alguns ‘bicos’. “Deixei um trabalho de operador de mimeógrafos na UFBA (Universidade Federal da Bahia) para buscar melhores condições aqui”. 

Pouco a pouco acabou se firmando no serviço de pintura em geral, tanto de imóveis, como de automóveis. Mas não abandonou a veia artística. Tocava em um grupo de samba nos botecos da Inajar de Souza, na zona norte de São Paulo. Foi lá que conheceu a ex-esposa Sônia, com quem teve quatro filhos, duas meninas e dois meninos. 

“Entre uma roda de samba e outra, começamos a namorar, mas logo ela percebeu que eu não tinha trabalho fixo, então decidiu me ajudar”, relembra. 

No início do relacionamento cada um morava em sua casa. “Quando ela ia num restaurante chique na hora do almoço, comprava uma marmita, e dividia comigo”, relembra. “Nunca vou me esquecer e serei eternamente grato”.

Quando a primeira filha deles nasceu, ambos foram morar numa casa alugada perto da avenida Itaberaba, na zona norte, onde ficaram pouco tempo. Na sequência, o sogro dele chamou para morar no quintal na Brasilândia, um grande terreno que abriga várias casas cujos vizinhos eram todos familiares da ex-esposa. 

Esse quintal, mais tarde, iria se tornar um espaço cultural de poesia e cultura fomentado pelo seu filho, o multiartista Akins Kintê, que daria o nome de Sarau no Kintal. Hoje, Axé vive no centro da cidade. “Queria ser um baiano que sobreviveria da música e me tornei mais um trabalhador paulistano independente. Sou feliz assim.”

O porteiro Cloves Fernando da Silva, 53, e a dona de casa Josete Laura da Silva, 49, estão juntos há 31 anos. Ambos nasceram em Pernambuco, ele na cidade de Ribeirão, e ela em Barra do Guabiraba.  O casamento ainda foi antes de virem para a capital e tiveram duas filhas – Mayara que nasceu na cidade natal, mas logo se mudou para São Paulo com um ano e Mayra que já nasceu aqui.

Josete engravidou depois de seis meses de relacionamento, um dos motivos para tentarem a sorte em São Paulo. “Fiquei muito preocupada, porque pagávamos aluguel e ele ganhava muito pouco no seu serviço no supermercado. Para completar, minha mãe não queria mais eu, mesmo eu sendo a filha mais velha”. 

Cloves veio antes e ficou na casa da irmã dele, Cleide, enquanto tentava achar um espaço para tirar a mulher e a filha do sufoco de morar de favor. “Esse negócio do nordestino é de praxe, lá quando o bicho pega o destino é São Paulo ou Rio de Janeiro esse foi o êxodo da maioria”, afirma Cloves. 

Era 1991, quando ele desembarcou, se deparou com a favela que vivia um dos crescimentos populacionais mais acelerados do município. “Achei que essa cidade era muito boa, mas é outra realidade, a fartura não sobra tanto como dizem, agora lascou”. 

Apesar disso, manteve os planos de conseguir um emprego. Não queria mais ser um ‘burro de carga’, como dizia sobre o trabalho anterior. “Embora não quisesse trabalhar no mercado, aqui as coisas eram certinhas. Horário para entrar e sair, almoço, hora extra remunerada e salário bom, oxe tava bom de mais”.

Com poucos meses de trabalho, a irmã dele disponibilizou um quartinho para ele morar e trazer a esposa e a filha. “Não deu tempo de ajeitar coisa melhor, mas queria minha família perto de mim, se fosse pra lutar e passar necessidade, que fosse juntos”.

Cloves trabalhou ainda como vigilante e conseguiu comprar o primeiro barraco de madeira. Construiu a casa onde mora ainda hoje. Afirmam que valeu a pena. Conseguiram botar as filhas em colégios particulares e ambas estão formadas: Mayara fez jornalismo e Mayra publicidade.

O crescimento rápido em Paraisópolis não foi isolado. Outros distritos da zona sul tiveram situação parecida, fruto da ocupação de famílias que vieram do Nordeste e começaram a trabalhar na capital. Um desses bairros é o Jardim Ângela, onde vivem Maria de Lourdes e Toninho.

Maria de Lourdes Venâncio da Silva, 58, nasceu em Jacaraú, na Paraíba, e veio para São Paulo em 1981, com 18 anos. 

Após morar hospedada na casa de uma amiga no Cambuci, foi trabalhar numa escola na Aclimação como acompanhante de transporte escolar e faxineira durante três anos. Entrava 6h e saía 20h. “Estudar sempre foi minha vontade, mas não tinha condições porque o horário do trabalho não deixava”, conta ela que morava em frente ao colégio Liceu, na rua Lavapés.

“No primeiro dia que cheguei aqui, eu fui numa lanchonete, e quem trabalhava nela? Meu futuro marido”. 

O pretendente era Antônio Carlos de Holanda, 63, o Toninho, que nasceu em Limoeiro, Pernambuco. O primeiro encontro foi abrupto para a tímida Maria. “Eita homem que fala pelos cotovelos, quero distância. Parece um doidim”. Comunicativo, ele já foi logo dizendo. “Vou casar com você”. Não demorou muito, os dois estavam namorando.

Assim que decidiram juntar as escovas por volta de 1983, compraram um barraco no Jardim Ângela, na zona sul. O cunhado de Maria arrumou uma outra moradia com melhores condições na Guilhermina, zona leste, onde viveram por 12 anos. “Aproveitamos o período de urbanização na região do Ângela para refazer nossa casa”.

Nesse período tiveram dois filhos: Márcio e Aline. Apesar de considerarem que tiveram muitas recompensas em São Paulo, Maria e Toninho sentem saudades de onde nasceram. 

“Até hoje tenho essa vontade de voltar [para a Paraíba], mesmo não tendo mais meus pais vivos. Espero que um dia a benção do meu marido concorde em ir embora”. Toninho interrompe e reforça o desejo. “Na hora que eu me aposentar eu rapo fora”.

A construção da vida na Pauliceia pelos nordestinos é guiada, muitas vezes, por alguém que já morava aqui. Famílias que se dividiram – alguém veio tentar conseguir uma renda e ajudar os que ficaram. 

A aposentada Maria de Fátima Gomes Ferreira, 63, quando veio para a capital paulista, tinha o objetivo apenas de visitar o marido que trabalhava na área da construção civil em obras como pontes e viadutos. 

Trouxe três filhos, com quem dividiu ao longo de três dias e duas noites dois assentos no ônibus. “Eles tinham entre 2 e 6 anos. Nunca tinha viajado para canto nenhum. A viagem só não foi mais difícil porque vim com os tios do meu marido que me ajudaram”.  

Na época, Maria deixou aos cuidados da mãe, na cidade de Água Branca, Alagoas, outros três filhos, com idades entre 8 e 12 anos. “Fazia dois anos que não via meu marido. Vim para passar um mês, mas aqui engravidei e não tive como voltar”.

Diante da sétima gestação, eles alugaram dois cômodos no Jardim do Russo, em Perus, na região noroeste da capital, mesmo bairro onde já residiam os parentes. “Cheguei aqui e fiquei muito encantada, gostei do lugar. Aqui é minha felicidade, onde eu criei meus filhos”. 

Com o passar dos anos, conseguiu trazer as crianças que haviam ficado no sertão de Alagoas e engravidou mais três vezes, totalizando 10 filhos. Para completar a renda do marido, trabalhou como auxiliar de limpeza até o início de 2020. 

“Foi onde eu arrumei meu pão de cada dia. Dou graças a Deus porque tudo que consegui foi na limpeza. E dou parabéns a todas as mulheres que trabalham na área porque é uma profissão que não é valorizada”.

Ao lado do marido, que morreu há um ano, a alagoana conseguiu comprar uma casa própria. “Não é uma casa de rico, mas como pobre, meu sonho aqui dentro de São Paulo era não pagar aluguel”.

Recentemente, ela também perdeu a filha caçula, que morreu aos 23 anos em decorrência de uma doença genética descoberta há pouco tempo. Esses baques emudeceram sua gargalhada que até virou meme na internet após ela aparecer num programa de televisão dominical.

Mesmo assim, Maria segue grata por ter conseguido, ao longo desses 28 anos, reunir a família nesta cidade. “É um prazer sentar aqui [à mesa] com meus filhos, genros, noras e netos. É uma alegria que temos”.

No caso de Domingos Evangelista Dória, 53, ele veio passar uns dias na casa do irmão mais velho que morava em Bauru, no interior do estado. Era 1988 e ele tinha 21 anos.

Nascido em Cajari, Maranhão, e criado na cidade de Penalva, no mesmo estado, ele conheceu a capital paulista ao se hospedar na casa de um amigo conterrâneo que vivia na zona norte. 

A estadia foi sendo prolongada e, ao conseguir um emprego, foi morar em uma pensão no centro. “Deus foi me deixando ficar, mesmo com todas as dificuldades, com toda a falta de escolaridade, me mantive aqui”. 

Embora não tenha ensino superior, trabalhou por mais de duas décadas na área técnica de instrumentação de obras de arte, ligada a processos da construção civil, no qual prestou serviços para o Metrô. Hoje, é motorista de veículos leves.  

Há 25 anos, desde que se casou com Eva, uma pernambucana de ‘personalidade muito forte’, mora no Recanto dos Humildes, em Perus, e teve três filhos. 

Ao pensar sobre seu passeio que já dura 32 anos ele recorda. “Vim passear, de repente fico e me estabeleço. Nem sabia o que queria. Estava tão difícil pra mim, sem escolaridade teria que voltar para lá. Mas a vida foi insistindo comigo e eu com ela”. 

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: Desde os 13 anos, Ana Sueli Ferreira da Silva, 55, atua em lutas sociais, como o direito à moradia, à educação e o combate à violência contra a mulher. “A questão da violência contra mulher dói na minha alma”.

Essa violência está marcada desde a infância. Nascida em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, chegou em São Paulo um mês antes de completar 15 anos. Criada pelos avós maternos, veio morar com os pais e os irmãos que já viviam na capital paulista.

Ela conta que, apesar das muitas qualidades, seu avô era uma pessoa rígida e violenta. Embora ele sempre tenha cuidado dela e a incentivado a estudar e a ler, não gostava que ela e a avó tivessem contato com as pessoas onde moravam. “Apanhei muito”. 

Mesmo sabendo que seria um desafio viver com a família com a qual não tinha convívio, embarcou rumo a São Paulo. “Fugir da violência foi meu principal desejo. Porque a última vez que meu avô me bateu, mentalmente eu prometi que nunca mais nem ele, nem homem nenhum encostaria um dedo em mim”.

A potiguar conta que também desejava ter um endereço fixo. Durante a infância, o avô costumava se desentender com os vizinhos, por isso mudavam com frequência de casa.  “Costumo brincar, que não queria andar com os cacarecos na cabeça. Pensava em criar raízes”.

Ao lado do marido Valter, com quem é casada há 35 anos, conseguiu construir a casa em que vivem há 30 anos, na Vila Nova Parada, no Jaraguá, região noroeste da capital, onde criaram os quatro filhos. 

O terreno foi adquirido com o apoio da Pastoral de Moradia – movimento ligado à Igreja Católica e até hoje não está finalizada. “Fui fazendo aos pouquinhos, agora estou num processo de reformar coisas antigas, ainda não terminei completamente tudo”.

Ela se orgulha de ter dado condição para os três filhos mais velhos – Fernanda, Maria Clara e João Gabriel – se formarem em universidades públicas em São Paulo. 

“São Paulo é realmente a cidade das oportunidades, com toda diversidade e desafios. Não acho que seja fácil morar nessa metrópole, exige de nós muito trabalho e acho que se o nordestino não tiver orgulho de onde veio, realmente ele abaixa a cabeça aqui”. 

Reportagem da Agencia Mural  texto de Ira Romão e Léu Britto e edição de Paulo Talarico @agmural e facebook.com/agenciamural 

Agencia Mural/Ira Romão e Léu Britto

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