Afinal, a vacinação dos trabalhadores contra a covid-19 será obrigatória diante de risco ocupacional de natureza biológica? Esse tema tem conquistado todos os holofotes, na medida em que vacinas contra a covid-19 estão sendo desenvolvidas com rapidez sem precedentes a partir da utilização de novas tecnologias, o que tem despertado discussões quanto aos possíveis eventos adversos em relação à imunização emergencial e o direito de oposição do indivíduo. Neste contexto o trabalhador está inserido.
No atual momento, o diálogo social é indispensável conforme orienta a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no sentido de que os trabalhadores sejam informados e consultados sobre as repercussões do coronavírus e que medidas podem ser tomadas para sua própria proteção e como podem contribuir para a contenção da disseminação do vírus no ambiente de trabalho.
A conscientização de que é dever de todos a contribuição com medidas de controle, eliminação e erradicação de doenças, considerando o princípio de que se a maior parte da população for imunizada, essas pessoas passam a funcionar como verdadeira barreira contra a disseminação de doenças transmissíveis, beneficiando aqueles que ainda não receberam a vacina, é o ponto nodal.
A polêmica sobre a obrigatoriedade da imunização emergencial ganhou novos debates quando o Supremo Tribunal (STF), uma vez instado a manifestar-se a respeito do tema, decidiu pela obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19, com a ressalva de que as pessoas não sejam “forçadas” a se imunizar, prevendo a possibilidade de implementação de medidas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Assim, quem recusar-se à imunização quando obrigatória, poderá sofrer sanções, a partir de medidas emanadas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
As repercussões da recusa às vacinas obrigatórias e as sanções respectivas já são contempladas pela legislação brasileira e repercutem no bolso dos trabalhadores de forma direta.
A percepção do benefício do salário-família é condicionada a apresentação dos atestados de vacinação segundo legislação específica.
Além disso, no processo admissional o empregador poderá exigir a apresentação do comprovante de vacinação e, caso não seja apresentado, o candidato à vaga de emprego poderá deixar de ser contratado.
A Lei 6.295/75 e Portaria 597/04 que dispõem sobre o Programa Nacional de Imunizações e Calendários de Vacinação, também disciplinam outras sanções para o caso de não apresentação de comprovante de vacinação obrigatória.
É fato que a covid-19 representa novo risco ocupacional de natureza biológica nos ambientes de trabalho, conforme o Ministério Público do Trabalho em Nota Técnica (20/20), por intermédio da qual sugere que o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, conhecido como PCMSO, deva ser revisto pelo empregador, bem assim o PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais).
A questão suscitada pelo Ministério Público do Trabalho acende o debate sobre a vacinação compulsória dos trabalhadores diante da possibilidade de que a doença possa ser caracterizada como ocupacional, ou seja, relacionada ao trabalho.
Porém, mesmo diante de tantas incertezas, a exigência de apresentação do comprovante de vacinação contra a covid-19 pelos empregados cujos contratos de trabalho estejam vigendo, sob pena de que a recusa possa ser considerada como ato faltoso à luz da Consolidação das Leis do Trabalho, poderá ser tida como afronta ao entendimento sedimentado pelo Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
Forçoso enfatizar que a Lei 13.979/20, recentemente editada para o enfrentamento da emergência em saúde pública, autoriza as autoridades no uso de suas atribuições, à vacinação compulsória como sendo uma das medidas adotadas no controle da pandemia (Parágrafo 3º, inciso III, letra “d”).
Neste contexto, não têm sido aceitável o argumento de que a vacinação compulsória como autorizado na recente legislação para enfrentamento à pandemia, estará a infringir garantias constitucionais, dentre elas o direito à liberdade. Tal alegação esbarra em outro ponto previsto na lei, qual seja, a supremacia do interesse público sobre o privado.
A determinação dos limites entre o individual e o coletivo cabe ao Estado, no sentido de que sejam evitadas práticas de atividades nocivas à coletividade, dentre elas a recusa injustificada em imunizar-se frente à pandemia que vem ceifando vidas e comprometendo as economias e os empregos.
Até mesmo nosso Código Penal, em seu artigo 268, estabelece punição a quem “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A pena prevista, nestes casos, é de detenção de um mês a um ano e multa, e aumentadas em um terço se os responsáveis forem funcionários de saúde pública ou exercerem profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
Inobstante entendimentos de que deva prevalecer o interesse público coletivo em detrimento de liberdades individuais, o tema merece prudência e especial atenção às políticas públicas governamentais além de incansável diálogo social, já que o poder diretivo do empregador não é absoluto, limitado nos direitos fundamentais da pessoa humana, garantidos constitucionalmente.
Elizabeth Greco, especialista em relações de trabalho da Lopes & Castelo Sociedade de Advogados
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