O dia 3 de março deste ano (2020) foi um dia histórico para o município de Curaçá, Bahia. Neste dia, cinquenta e dois exemplaresde ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) retornaram ao seu lar: a caatinga baiana. A redação da REDEGN vem acompanhando o Projeto do retorno da Ararinha Azul novamente para a natureza.
As aves vieram da Alemanha, por meio da organização não-governamental alemã Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP) que, em parceria com o Governo Federal (representado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e Ministério do Meio Ambiente), repatriou as aves para o Brasil.
A expectativa é que as Ararinhas Azuis devem ser soltas neste ano de 2021, como explica Camile Lugarini, analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). A médica veterinária é coordenadora do projeto de reintrodução do animal, extinto de seu habitat natura em 2000.
Extintas na natureza há 20 anos, as ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) chegaram ao Brasil nesta semana para serem devolvidas ao seu habitat natural: a caatinga. Ao todo, 50 aves criadas em cativeiro na Alemanha desembarcaram em Curaçá, na Bahia, no Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul, onde foi construído um centro de reintrodução e reprodução para a espécie.A última casa das ararinhas-azuis antes de serem reintegradas à natureza será um Centro de Readaptação, Reprodução e Soltura construído na região de Curaçá, na Bahia.
As 50 aves viveram por toda a vida em cativeiros na Alemanha e no Qatar e precisam não somente se aclimatar à Caatinga nordestina antes de ganharem o céu da região, como também devem aprender a se alimentar, se reproduzir e sobreviver a predação.
“O recinto é enorme e foi construído em cima da Caatinga, ou seja, com a Caatinga dentro. As aves vão precisar de um período de aclimatação, então a soltura deve ocorrer aos poucos”, ressalta Lugarini. “Primeiro elas vão aprender a viver no ambiente selvagem, aprender a ficar alerta com os predadores, que na região são aves de rapina, a se alimentar, enfim, um passo de cada vez.”
Reintroduzir ao estado selvagem animais nascidos em cativeiro é um processo longo e difícil. Os animais, não importa de que espécie sejam, têm que ser preparados para ganhar liberdade progressivamente, por etapas. Por isso o recinto foi dividido em diversos tamanhos, como conta Ugo Vercillo, analista ambiental da Coordenação de Ações Integradas para Conservação de Espécies do ICMBio.
“São gaiolas menores, dentro de gaiolas maiores, dentro de gaiolas maiores ainda. As portas de cada seção vão ser abertas com o passar do tempo, ampliando a área para a ararinha. Isso até que ela chegue ao último estágio, que é a parte mais ampla do recinto. Quando ela estiver pronta, essa última porta será aberta para que ela possa voar e repovoar a Caatinga”, explica Vercillo.
A última porta do recinto ainda permanecerá aberta por um tempo, para que as ararinhas-azuis possam voltar caso não se sintam completamente seguras. “Isso pode acontecer nas primeiras semanas, mas a ideia é que elas possam se integrar à natureza e não voltar mais”, aponta Lugarini. “Também teremos alguns comedouros próximos ao recinto para que as aves possam comer nesse período de adaptação, quando estarão procurando o próprio alimento na região.”
RECUPERAÇÃO: O recinto não foi a única alteração feita em Curaçá. Para reintroduzir a ararinha-azul, foi necessário recuperar o habitat natural das aves. O corte indiscriminado de árvores e a criação de cabras mudaram a paisagem do vale do São Francisco na Bahia e contribuíram para o desaparecimento da ave, embora o maior culpado tenha sido mesmo o tráfico do animal para comércio ilegal.
“Antes da construção do centro foi criada a Área de Proteção Ambiental da Ararinha-Azul e a recuperação da Caatinga no local”, lembra Vercillo. “A espécie nunca foi muito abundante e sempre foi restrita à região com árvores caraibeiras da mata ciliar. Sem o bioma como ele deve ser, ela vai ter mais dificuldades de viver e se reproduzir. Por isso estamos fazendo toda uma conscientização com a população local e dando todo o apoio necessário para que a Caatinga se recupere ainda mais e seja preservada.”
O passo mais delicado da operação será justamente o momento em que as ararinhas criadas em cativeiro serão soltas. Dessa forma, é necessário o treino do animal para que ele possa sobreviver sozinho. O processo envolve a captura de aves Maracanã para formar grupos com as ararinhas-azuis para auxiliar na reintrodução da espécie no habitat.
“As maracanãs ainda vivem na região, são da mesma família da ararinha, e têm os mesmos hábitos, tanto alimentares quanto de dormitório. Elas vão ajudar as ararinhas a escolher os melhores locais para dormir, descansar, reproduzir e se alimentar”, explica Camile Lugarini, médica veterinária, analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave), do ICMBio, e coordenadora do PAN.
A primeira soltura deve ocorrer ao longo do primeiro ano, após a adaptação das aves em um gigantesco recinto construído na caatinga. Como trata-se de uma ação inédita, não é possível prever o resultado, então todas as experiências de reintrodução envolvendo psitacídeos serão levadas em conta. A ideia, em um primeiro momento, é manter as ararinhas o mais próximo possível do local de soltura, em um espaço mais reservado e sem a interferência de pessoas. Assim, comedouros serão implantados e abastecidos diariamente para que as aves se acostumem à região até iniciarem o processo de migração.
Já o segundo grupo, formado por 20 indivíduos, só deverá ser solto seis meses depois do primeiro. Dessa vez, sem o auxílio das Maracanãs, para que as aves encontrem as ararinhas que já estiverem na natureza.
Para garantir o reestabelecimento da espécie na natureza, a equipe de especialistas do ICMBio vai ajudar no crescimento populacional das aves por meio de reprodução controlada. A terceira fase do cronograma de soltura já será com animais que nascerem no Centro de Reprodução até 2021. Além disso, um acordo com mantenedores da ararinha estabelece que todos os criadouros enviem ao refúgio em Curaçá 70% dos filhotes que nascerem anualmente.
“Isso até que a gente veja que a população está estável, se reproduzindo e que, de fato, não precise mais da ajuda do homem”, destaca o biólogo Ugo Vercillo.
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