A educação é um dos principais pontos de atenção na elaboração de estratégias para redução de desigualdades. Mas, e quando o sistema educacional do país incentiva disparidades raciais, sociais e locais?
O Brasil sofre com esse paradigma e, por mais que os dados revelem um aumento no acesso às escolas, na análise dos últimos anos, as oportunidades e desempenhos entre um extremo e outro se tornam um abismo ainda maior.
A pandemia do novo coronavírus escancarou essa problemática e impôs desafios ainda mais urgentes, como destacam especialistas da área.
De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que avaliou 79 países em 2018, o Brasil é uma das cinco economias mais desiguais do mundo em relação à educação. A desigualdade socioeconômica do país é a terceira maior do mundo em ciências e leitura; e a quinta, em matemática. Estudantes de maior poder aquisitivo tiveram um resultado de 100 pontos a mais do que os alunos mais pobres. Realizado por meio de uma prova, o programa é feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A cor da pele é um dos principais fatores de desigualdade no país, ao se falar de renda e emprego. O ciclo começa cedo em razão da ausência de políticas educacionais, e se intensifica ao decorrer do ensino básico. De acordo com os últimos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 98% das crianças entre 6 e 14 anos no Brasil estavam matriculadas no ensino fundamental. Os índices são praticamente os mesmos se separados por matrículas de brancos, de pretos e de pardos: 98%, 98,7% e 97,9%, respectivamente. O acesso equitativo, no entanto, está longe de simbolizar ofertas de oportunidades iguais.
Segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020, da ONG Todos pela Educação, entre os jovens, 58,3% dos pretos e 59,7% dos pardos concluíram o ensino médio até os 19 anos em 2019, ao passo que, entre os brancos, a taxa foi 15 pontos percentuais a mais (75%). As diferenças, na avaliação do líder de Estratégia Política do Todos pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, são reflexos da desigualdade fora e dentro das salas de aula.
“Ainda que, na superfície, as chances possam parecer iguais, com matrícula universal e sem uma política que os discrimine oficialmente, esses jovens sofrem no dia a dia. O racismo estrutural se materializa dentro das salas e eles são tratados com menos expectativas, se veem menos representados em seus professores e pessoas que são modelos de sucesso na sociedade. Portanto, essa trajetória escolar é prejudicada, como os números mostram, seja na permanência, conclusão ou desempenho”, explica.
A disparidade se inicia já no ensino fundamental. Ao avaliar a aprendizagem adequada de Língua Portuguesa do quinto ano, conforme os levantamentos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 2017, os índices eram de 41,4% para pretos, 62,5% para pardos e 70% para brancos. No encerramento da etapa, com as avaliações do nono ano, as diferenças perduram: 51,5% dos brancos apresentavam aprendizagem adequada em Português, frente a um total de 36,3% dos pardos e 28,8%, dos pretos. O mesmo ocorre em Matemática: 29,9% dos pretos, 49,2% dos pardos e 59,5% dos brancos tinham aprendizagem adequada no quinto ano e, ao final do fundamental, os índices ficaram em 12,7%, 17,9% e 32%, respectivamente.
Para a oficial de educação do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Julia Ribeiro, a escola acaba reproduzindo as desigualdades que existem na nossa sociedade. “Esses dados são um reflexo estrutural de uma cultura de exclusão escolar. Os recortes que fazemos para entender esses resultados nos levam a fatores econômicos e escolaridade dos pais, questões estruturais na nossa sociedade que também são aplicadas nas salas de aula”, esclarece.
O resultado das desigualdades da cor de pele também reflete no tempo médio de escolaridade. Enquanto para pretos e pardos o somatório de permanência nas escolas é de 11 anos, para brancos é de 12,3 anos. A taxa de analfabetismo entre negros a partir de 15 anos continua sendo mais que o dobro da de brancos: 9,1% contra 3,9%, pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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