Elizabeth Guedes*
O setor da educação particular, básica e superior sairá menor dessa pandemia. Ainda sem perspectivas claras de quando esse cenário de fechamento das escolas irá terminar, não há dúvidas de que teremos fechamento com interrupção de atividades, aumento da evasão dos alunos e do desemprego de professores e pessoal administrativo.
O impacto negativo do caos provocado pelo coronavírus nos atinge de forma abrangente e profunda e a desinformação reforça o medo das famílias e da sociedade acerca do momento do retorno às aulas. E este panorama é mais dramático se compararmos o que vem acontecendo com as escolas de países com sistemas educacionais mais bem organizados e eficientes, quando as determinações de fechamento não atingem as escolas.
Muito dessa desinformação se deve aos governos municipais e estaduais, que, temendo os efeitos de um aumento de contaminação no processo eleitoral, mantém-se impassíveis diante da tragédia que se desenrola diante dos olhos de todos. Enquanto bares, restaurantes e shoppings reabriram; escolas e faculdades ainda não têm um horizonte definido de quando poderão retomar as aulas presenciais na maioria dos municípios, mesmo que estejamos preparados segundo os melhores protocolos sanitários, muitos deles oriundos da autoridade pública. Não se vê planejamento de prefeitos e governadores para tentar repor o prejuízo educacional provocado pelos meses sem aulas.
No caso do ensino privado, essa visão pessimista fica ainda mais clara quando se observa que escolas e faculdades estão fechando as portas devido ao aumento da inadimplência e da evasão. A ANUP estima que de 25% a 30% das instituições de ensino superior privadas não vão reabrir suas portas após a pandemia. Perspectiva temerosa não somente para o próprio setor, mas também para um país que ainda apresenta baixa penetração do ensino superior na população. Isso deve piorar, pois 70% dos alunos universitários estão em instituições de ensino superior particulares.
Todos sentimos esta sensação de abandono por parte dos poderes executivos e legislativos, como se a ameaça de fechamento de uma escola não afetasse o futuro do país todo. Enquanto outros segmentos foram socorridos ou receberam apoio do poder público, a educação se viu solitária, relegada, esquecida. Para piorar, a educação privada ainda tem que enfrentar desmandos, como o caso de câmaras legislativas que aprovaram leis inconstitucionais determinando a redução linear das mensalidades. Em Belo Horizonte, o prefeito ameaçou suspender os alvarás de estabelecimentos de ensino para impedir a reabertura ignorando o que ocorria em termos de sua preparação para receber a comunidade acadêmica em segurança.
Na verdade, a pandemia apenas escancarou algo que já se sabia, a educação não é prioridade no Brasil. A desigualdade de acesso à tecnologia, que amplia o abismo que há entre alunos de escola privada e pública, por exemplo, já existia bem antes do coronavírus colocar o mundo de quarentena. A necessidade de rever as formas de ensinar, bem como a falta de capacitação dos professores para lidar com ferramentas mais modernas, tudo isso já era discutido antes da pandemia. Mas esse cenário de exceção colocou em destaque questões que até então não conseguiam ter apelo público.
O Brasil já era aquele aluno com uma enorme lição de casa atrasada para resolver. Prova disso é que o país ocupa a 57ª posição em leitura, a 70ª em matemática e na 66ª em ciência entre os 79 países avaliados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Os indicadores são preocupantes. Há pesquisas que apontam que apenas 18% dos brasileiros têm ensino superior completo, menos da metade da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 36 países considerados desenvolvidos. O país consegue estar abaixo de outros países da América Latina. A taxa de adultos com ensino superior na Argentina é de 36%, no Chile é de 25%, e na Colômbia é de 23%.
O fosso entre o Brasil e os sistemas de ensino mais estruturados está aumentando. Mas não é de surpreender, já que somos um país que gasta rapidamente R$ 8,3 bilhões para construir estádios para Copa do Mundo, enquanto há escolas públicas sem rede de saneamento, infraestrutura de tecnologia e, até mesmo, carteiras, muitas delas ainda com salas multisseriadas em locais distantes e esquecidos. A conta vai ser paga e todo o futuro do país vai sentir, porque não há como ser competitivo em mundo com mercados cada vez mais interdependentes sem investir em educação. Não teremos competitividade nem produtividade para enfrentas a qualidade do capital humano de países que investiram e apoiaram seus sistemas educacionais também durante a pandemia. É preciso tornar a agenda da educação prioritária como política de Estado, para que deixemos de ser aquele aluno que vive tirando nota vermelha, e sempre pronto a repetir de ano.
*Elizabeth Guedes é presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP)
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