Ao contrário do que o governo afirma, as sucessivas liberações de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço estão impactando na sustentabilidade do Fundo. De acordo com o Conselho Curador do FGTS, o orçamento do Fundo vai cair R$ 2 bilhões nos próximos dois anos, ameaçando políticas públicas nas áreas de saúde, habitação, infraestrutura e saneamento básico.
A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) tem feito alertas sobre os riscos ao Fundo de Garantia — uma reserva de dinheiro dos trabalhadores e também fonte de financiamento de moradias populares e outros programas sociais. Além do comprometimento na arrecadação, a Fenae chama a atenção para outro grave problema.
Para viabilizar o Casa Verde Amarela em substituição ao Minha Casa Minha Vida (MCMV), o Conselho Curador aprovou, nesta semana, um ajuste no orçamento deste ano do FGTS para remanejar, ao novo programa habitacional do governo, um total de R$ 5,562 bilhões que iriam para o FGTS-Saúde (R$ 2,447 bilhões) e para ações em infraestrutura (R$ 2,9 bilhão) e saneamento (R$ 215 milhões).
“É um completo absurdo”, afirma o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto. “O governo Bolsonaro está tirando dinheiro da saúde, em plena pandemia, para sustentar um programa que não atende quem mais precisa e está muito longe de resolver o déficit habitacional do país”, argumenta.
Na proposta aprovada pelo Conselho Curador, o orçamento total do Fundo de Garantia passará de R$ 77,9 bilhões em 2020 para R$ 77,4 bilhões em 2021. Em 2022, o total será de R$ 78 bilhões. E os recursos seguem menores em 2023 e 2024: R$ 75,2 bilhões e R$ 76 bilhões, respectivamente.
CASA PRÓPRIA — Os descontos concedidos para a compra da casa própria também vão recuar. São R$ 9 bilhões neste ano, caindo para R$ 8,5 bilhões em 2021, R$ 8 bilhões em 2022, R$ 7,5 bilhões em 2023 e R$ 7 bilhões em 2024.
“O governo disse que estava fazendo as contas e que as liberações do FGTS não causariam impacto no Fundo. Tanto afetou que são R$ 2 bilhões a menos no orçamento”, ressalta Takemoto. “Então, ou o governo não sabe fazer contas ou não se importa com a sustentabilidade do Fundo de Garantia e com a falta de recursos para moradia à população de baixa renda”, analisa o presidente da Fenae.
Estudo realizado no último mês de setembro pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou que o déficit habitacional no país, em 2019, chegou a 7,79 milhões de moradias. A pesquisa estima que, até 2030, serão necessárias 13 milhões de casas para os brasileiros mais carentes (com renda até três salários mínimos, segundo o levantamento).
De acordo com a MP 996, que criou o programa Casa Verde e Amarela, a parcela dos mutuários correspondente à Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida passará a ter que pagar juros anuais a partir de 4,25% no financiamento da casa própria.
Criado em março de 2009, o MCMV concede à população desta faixa um subsídio do governo correspondente a 90% do valor da moradia. Os outros 10% podem ser pagos em até 120 prestações mensais (por um período de dez anos), que variam de R$ 80 a R$ 270, sem qualquer incidência de juros.
A exclusão dos brasileiros mais necessitados das políticas habitacionais do governo Bolsonaro vem sendo denunciada há meses pela Fenae. Conforme alertas feitos pela entidade junto a diferentes órgãos do Executivo federal, esta parcela da população continua sendo a única não beneficiada, por exemplo, pelas pausas no pagamento das prestações da casa própria.
No final de julho, a Fenae enviou ofícios à direção da Caixa e também ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) solicitando informações sobre a não inclusão da Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida em nova prorrogação da suspensão do pagamento dos financiamentos habitacionais. Em maio e julho, o governo concedeu e prorrogou pausas na quitação das prestações — em um total de 180 dias — para todos os mutuários do país, incluindo três faixas do MCMV: 1,5, 2 e 3.
RISCOS — No último mês de agosto, dirigentes do próprio governo alertaram sobre os riscos de sustentabilidade do FGTS por conta dos sucessivos saques de recursos do Fundo.
“É inegável que a capacidade de viabilizar saques extraordinários é limitada. O Fundo não pode continuar reduzindo ativos de forma tão volumosa a cada ano, sob risco de se tornar inviável até mesmo operacionalmente”, afirmou o diretor do Departamento de Gestão de Fundos do Ministério da Economia, Gustavo Tillmann. “O cobertor tem um tamanho. Não dá para atender todas as frentes”, acrescentou.
“É evidente que as pessoas precisam ser assistidas; especialmente, em uma crise econômica como esta que estamos enfrentando. Porém, é preciso preservar o FGTS, que é um patrimônio dos próprios trabalhadores”, pondera o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto.
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