No primeiro semestre deste ano, as mortes violentas intencionais aumentaram 7,1% no país, seguindo a tendência de elevação iniciada no último trimestre de 2019. De acordo com o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram registradas 25.712 ocorrências, contra 24.012 da primeira metade de 2019. Ou seja, a cada dez minutos, uma pessoa perdeu a vida, vítima de assassinato.
São consideradas mortes violentas intencionais o homicídio doloso, a lesão corporal seguida de morte, o latrocínio e as mortes decorrentes de intervenção policial. Os homicídios dolosos (8,3%) e as mortes decorrentes de intervenção policial (6%) foram os que mais tiveram aumento. De 2019 para 2020, o número de casos passou de 20.105 para 21.764 e de 3.002 para 3.181, respectivamente.
De modo inverso, caiu o total de vítimas de lesão corporal seguida de morte (-7,9%), de 407 para 375 e de vítimas de latrocínio (-13,6%), de 832 para 719. Devido às medidas de isolamento e distanciamento social, os episódios de crimes patrimoniais apresentaram redução de -24,2%, taxa resultante da diferença entre 680.359 casos de 2019 e os 515.523 de 2020.
Segundo a diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, a instituição trabalha "mais com hipóteses" do que com certezas para tentar compreender os dados compilados no relatório, tendo em vista que a pandemia de covid-19 ainda é um contexto inédito. Apesar de reconhecer que a análise requer um nível de assimilação da conexão entre elementos, ela aponta alguns fatores que podem ter correspondência com a realidade constatada:
"De um lado, a gente vê o que indica o fim da trégua de grupos criminosos, ou seja, um aumento de conflitos relativos ao tráfico internacional de drogas e armas, que é o que reverbera principalmente no Norte do país, e no Nordeste, que são rotas importantes do tráfico, especialmente de cocaína e outras drogas. Então, essa mudança de relações de força entre grupos criminosos, essas disputas se acirram durante a pandemia e isso acaba produzindo muitas mortes."
"De outro lado, temos um incremento nos casos de violência doméstica, de violência interpessoal, que refletem nos casos de feminicídio. Os casos de feminicídio vêm crescendo ao longo de vários anos, e isso não é exclusivo desse momento em que estamos vivendo. Mas, ao que tudo indica, a pandemia acentuou a violência, na medida em que são mais mulheres que já viviam situações de vulnerabilidade, na violência, e passam mais tempo com seus agressores."
Segundo a diretora, o estancamento generalizado da criminalidade, imaginado para o período da crise sanitária, não se confirmou.
De acordo com o relatório, a alta no índice de mortes violentas intencionais foi observada em 21 unidades federativas. O maior crescimento desse tipo de crime ocorreu no Ceará, que quase dobrou o número de casos (96,6%). O patamar muito acima da média nacional foi um comportamento partilhado por outros 13 estados: Paraíba (19,2%), Maranhão (18,5%), Espírito Santo (18,5%), Sergipe (16,8%), Alagoas (15,1%), Paraná (14,8%), Santa Catarina (14%), Rondônia (13,4%), Tocantins (12,5%), Pernambuco (11,8%), Rio Grande do Norte (11,8%), Bahia (10,1%) e São Paulo (8,2%).
O relatório indica que estado do Ceará enfrentou uma crise na segurança pública, no início deste ano, marcado pela greve da Polícia Militar, ocorrida em fevereiro. A paralisação da categoria, que durou 13 dias, gerou "impactos importantes" nos indicadores de segurança da região, de acordo com o FBSP..
Para o diretor-presidente do fórum, Renato Sérgio de Lima, o que se vê no Brasil é a naturalização de agressões. "A gente continua sendo um país profundamente violento, onde não conseguimos resolver, enfrentar o problema de forma satisfatória. Continuamos a banalizar a vida", disse. Ele destacou que o relatório tem como referência mais de 60 fontes de informação, não se restringindo a analisar somente a base de dados de autoridades policiais.
Com relação ao Ceará, o diretor ressaltou que se trata de um exemplo "emblemático", porque ilustra o resultado da separação do debate em torno do cotidiano das forças de segurança pública e das pautas de funcionamento das polícias, tratando os dois assuntos como se não tivessem ligação nenhuma.
"Esse precedente se deu preponderantemente em fevereiro, a partir do momento em que teve um movimento de greve e foi quando acabou se associando a uma reorganização das facções de base do sistema prisional e provocou o esvaziamento de um esforço que estava sendo feito antes", disse.
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