Morre artesão e mestre da cultura Raimundo Aniceto, vítima de Covid-19, no Crato, Ceará

16 de Oct / 2020 às 17h00 | Coronavírus

O mestre da cultura Raimundo José da Silva, o Raimundo Aniceto, tocador de pife, morreu aos 86 anos, em Crato, no interior do Ceará, vítima da Covid-19. Ele estava internado com problemas cardíacos desde o último sábado (10), no Hospital São Camilo. O artesão, músico e brincante era o mais antigo dos integrantes vivos da tradicional Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, que possui dois séculos de história.

Segundos os familiares, Raimundo Aniceto estava doente há 22 dias por problemas no coração, mas a Covid-19 só foi descoberta no hospital. Antes da internação, três exames realizados em sua casa deram negativo. Há quatro anos, o artesão já havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC) que prejudicou sua dicção. Hospitalizado há cinco dias, teve falência múltipla dos órgãos.

Mestre da Cultura reconhecido pela Secretaria de Cultura do Ceará (Secult) desde 2004, Raimundo era o último integrante vivo da geração dos Irmãos Aniceto formada pelos filhos de José Lourenço da Silva e Maria da Conceição. O avô do artesão criou a banda no século XIX, ao pé da Chapada do Araripe. Agora, os sobrinhos de Raimundo permanecem à frente do grupo.

Nascido em 14 de fevereiro de 1934, Raimundo começou a tocar na banda aos seis anos de idade, junto com seus irmãos, pai e primos. Todos os instrumentos utilizados pelo grupo eram fabricados à mão pelos próprios integrantes. Os pifes eram feitos de taboca e a zabumba fabricada com timbaúba e couro de bode. A produção deste último sempre foi tarefa do mestre da cultura.

O sucesso dos Irmãos Aniceto fez com que eles realizassem uma turnê na Europa, com apresentações de sucesso em Portugal e na Espanha, em 2004.

Em agosto do ano passado, foi inaugurado o museu orgânico do Mestre Raimundo Aniceto, projeto do Serviço Social do Comércio do Ceará (Sesc/CE), em parceria com a Fundação Casa Grande de Nova Olinda, que tornou a casa de Raimundo em espaço para visitação e preservação da história do grupo e seus instrumentos artesanais.

HISTÓRIA: Para o cantor, ator e produtor cultural João do Crato, a Banda Cabaçal é a essência da tradição da ancestralidade no Cariri e a presença de Raimundo sempre foi fundamental. “Ele sempre foi um dos grandes mestres empenhados a preservar o que vinha da oralidade, dos mais antigos, do seu pai, mas também mantinha muito a história de se reinventar. Tinha uma infinidade de peças, cânticos e apresentações”, descreve.

João classifica Raimundo como “um menino ‘véio’ brincante”. “Aquela energia, do curumim, dos indígenas. O que mais me lamenta é que essa magia, esse canto, vai se quebrando e eles davam passagens a estes elementos. Nunca o vi triste. Mesmo nas contradições, nas inúmeras viagens que fizemos, sempre teve uma coisa de alegria, a alegria de representar. A partida é dolorosa. Mas vamos ficar raiado nessa luz que ele deixou”, finaliza.

Confira Nota Secretaria Cultura Ceará:

Com muita tristeza e pesar, a Secult Ceará comunica o falecimento do nosso querido Mestre Raimundo dos Irmãos Aniceto. Ele estava hospitalizado na cidade do Crato e vinha com a saúde frágil. Siga na luz, mestre.

“Seu Raimundo agora é mestre encantado. Vai tocar pife com mestre Antônio na cabaçal de seus antepassados que tocam no firmamento

Mestre Raimundo Aniceto vem do tronco velho dos Kariri. Herdeiro de tradição secular, Mestre Raimundo é um grande griô brasileiro das artes e dos saberes das bandas cabaçais do Sertão do Cariri cearense e nordestino. Era um maestro tocando pife e um exímio dançarino, juntando cultura e natureza com sua arte. Ao longo de sua vida transmitiu com amor e espírito comunitário seus saberes ancestrais reinventando o seu Cariri.

Mestre Raimundo se encantou e vai seguir tocando seu pife com seu irmão Mestre Antônio e todos seus antepassados lá no firmamento. Mas continuará inspirando seus filhos, sobrinhos e netos que fazem a família Aniceto e a todo mundo que toca e é tocado pela cultura popular e tradicional, onde ele foi, é e sempre será mestre.

A Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto – que já atravessou dois séculos – seguirá com seus ensinamentos na jornada do tempo da natureza e da cultura”, afirma Fabiano Piúba, secretário da Cultura do Ceará.

Desde 2004, o Mestre Raimundo Aniceto foi reconhecido pela Secretaria da Cultura do Estado como Mestre da Cultura Tradicional Popular do Ceará, recebendo diploma concedido pelo governador. Participou de várias edições do Encontro dos Mestres do Mundo, promovidas pela Secult.

Mestre Raimundo, o Ceará celebra sua vida, sua alegria, sua cultura. O dia hoje é de silêncio e de saudade da sua dança, do tocar bonito e animado do seu pífano. Que seus familiares e amigos encontrem alento e que você, Mestre, encontre paz e luz. Que continue a tocar seu pife pra nos animar.

A Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto surgiu em 10 de maio de 1835, tendo como idealizador José Lourenço da Silva (pai do Mestre Antônio).

Redação redeGN Foto Secult CE

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