Apontado como um dos mais expressivos herdeiros do legado poético-musical de Luiz Gonzaga, o Gonzagão, Maciel Melo, cuja carreira artística começou em 1982, sempre acreditou na vocação universalista e atemporal do forró (que não é apenas um ritmo, mas uma espécie de balaio musical que abriga o baião, o xote, o coco e outros ritmos). Por isso tem vibrado como as cordas do seu violão com a crescente receptividade internacional desse tipo de música, comprovada não apenas no recente e bem-sucedido show de Nova York, mas através de vários fatos ocorridos nos últimos anos.
Antenada com as novidades no campo da música, na esfera regional, nacional e internacional, a obra de Maciel tem, no entanto, como marca principal o “cheiro de bode”, como observou o jornalista e crítico musical José Teles, parodiando uma frase de Gonzagão a respeito das composições de Zé Dantas. Num estilo um pouco mais lírico, o poeta Jessier Quirino compartilha da opinião do jornalista sobre o trabalho de seu parceiro de várias criações: “Sua música, com especial encanto, é um verdadeiro repositório das tradições matutas, sertanejas e nordestinas”.
Essa ligação artístico-umbilical está bem presente em Caboclo sonhador, por muitos considerada um clássico da música nordestina. Composto em 1982, quando Maciel residia em São Paulo, o xote – que nos anos 1990 se tornaria grande sucesso nas vozes de Flávio José e de Fagner – expressa em seus versos uma mistura de plataforma artística e profissão de fé baseada nos valores culturais, sociais e históricos do mundo de origem do autor: “Sou um caboclo sonhador,/ Meu senhor, viu?/ Não queira mudar meu verso./ Se é assim não tem conversa/ E meu regresso para o brejo/ Diminui a minha reza./ Um coração tão sertanejo/ Vejam como anda plangente o meu olhar/ Mergulhado nos becos do meu passado/ Perdido na imensidão desse lugar”.
Nascido em 26 de maio de 1962, na sertaneja Iguaraci, a 363 quilômetros do Recife, Maciel, como ele mesmo diz, cresceu “ouvindo os cantadores de folhetos nas feiras”. A região pernambucana onde fica sua cidade natal, o Vale do Pajeú, é um famoso reduto de poetas populares e repentistas, como Rogaciano Leite, Sebastião Dias, Antônio Marinho e os irmãos Otacílio, Dimas e Lourival Batista (Louro do Pajeú), além de ser vizinha de uma área da Paraíba de onde também vieram à luz célebres improvisadores de versos, a exemplo de Pinto do Monteiro.
Se o ambiente externo era propício ao desenvolvimento de um letrista, a casa do futuro compositor constituía um permanente estímulo à vocação musical. O seu pai, Heleno Louro, conhecido como Mestre Louro, era barbeiro e pedreiro, mas ganhou fama como consertador de foles de oito baixos e, principalmente, como sanfoneiro. Ainda criança, Maciel costumava acompanhá-lo nas festas para as quais era contratado para animar.
“Às vezes, eu tocava triângulo, mas depois de certas horas o que eu fazia mesmo era dormir perto de onde ele estava tocando”, relembra o artista, que, ainda em Iguaraci, onde morou até os 16 anos, participou de uma banda marcial. Embora exercesse apenas a atividade de costureira, Dona Lourdes, a mãe, também tem sua parcela de influência na musicalidade de Maciel, como ele mesmo reconhece: “Vez por outra me pego assoviando melodias que não sei de onde vieram, mas tenho a impressão de que são antigas cantorias feitas para ninar menino chorão”.
O permanente contato com a música, acordado e dormindo, concorreu para deixar bem desperto o talento de Maciel Melo, um fecundo compositor que passeia com naturalidade pelas várias vertentes do forró e, com um espírito de repentista, consegue transformar em mote quase todos os assuntos e imagens. Como o poeta cearense Patativa do Assaré, talvez ele seja um dos que podem dizer: “Pra todo canto que olho,/ vejo um verso se bulindo”. Somada à quantidade, a qualidade das canções que começou a produzir, sistematicamente, a partir da década de 1980, logo chamaria a atenção de muitos cantores e do público.
O seu primeiro grande sucesso como compositor foi Que nem vem-vem (“Quebrei no dente/ Um taco da literatura/ Tô na história, tô e sei/ Que sou motivo pra falar”). Ainda hoje presença obrigatória em qualquer festa regada a forró que se preze, a música foi gravada em 1991 por Flávio José e, em seguida, por Elba Ramalho. Outros artistas que gravaram composições de Maciel foram: Sivuca, Marinês, Petrúcio Amorim, Amelinha, Renato Teixeira e Xangai.
Velho companheiro de shows e gravações, Xangai foi um dos participantes do primeiro disco de Maciel Melo, Desafio das léguas, de 1987, composto em parceria com o poeta pernambucano Virgílio Siqueira. Outros que participaram foram Vital Farias, Dércio Marques, Dominguinhos e o violonista francês Frederic Victor, inaugurando uma característica comum a quase todas as produções fonográficas de Maciel: a participação de renomados artistas, aos quais devem ser acrescentados os nomes de Naná Vasconcelos e Mestre Salustriano.
Colecionador de prêmios, presente em trilhas sonoras de filmes e telenovelas, Maciel tem, entre os maiores reconhecimentos e homenagens que já recebeu, uma placa afixada na entrada de Iguaraci, com os seguintes dizeres: “Esta é terra de Maciel Melo”. Será que é emocionante para uma pessoa sentir-se no coração de um lugar que, mesmo distante, nunca saiu de seu próprio coração e arte?
GILSON OLIVEIRA, jornalista.
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