Robert Michels (Partidos Políticos, 1911) formulou a ‘lei de ferro das oligarquias”. Todas as organizações tenderiam a se tornar oligárquicas. A se mover em função dos interesses dos que as dominam. Mesmo as originalmente democráticas.
O sistema partidário brasileiro virou um ‘case’ de confirmação da intuição de Michels. Regado por um Fundo Eleitoral de R$ 2,54 bilhões. E por um Fundo Partidário de R$ 959 milhões. Muitos desses partidos sequer elegem diretórios estaduais ou municipais. Mantêm comissões provisórias nomeadas ‘ad eternum’ pelos caciques.
Partidos que andam numa pasta debaixo do braço dos seus donos. Burocratas que vivem às custas desses fundos. Com salários e penduricalhos. Contratando serviços de protegidos e familiares. Com dinheiro público, porque ‘a democracia tem custos’. Esses incentivos explicam por que o país tem mais de 35 partidos, sem que tenhamos tantas ideologias. Fundar um partido virou um grande negócio. Não espanta que o cidadão comum esteja tão distante dos nossos partidos. As insatisfações explodem em sentimentos anti-establishment e antipartidos. E aí os populistas, de vários matizes, aproveitam-se desses ressentimentos. Apresentam-se como líderes que entendem “de verdade” as aspirações do povo.
O poder corrompe. Pessoas que se iniciaram com a melhor das intenções, não raramente degeneram. A ação política passa a ser vista como a disputa pelos aparelhos. Como um fim em si. Mesmo que sob o manto de belos slogans e proclamações retóricas. Não por acaso, o debate programático é o primeiro sacrificado. Sem participação real de suas bases e sem capacidade de pensar inovadoramente, os partidos vão perdendo relevância.
Essa leniência com os partidos burocratizados e com seus líderes populistas e caudilhos tem raízes em nossa relativização da democracia. “Defendo a democracia, mas...”. Uma visão instrumental da democracia, complacente com a violação das leis. Desde que nos favoreça ou seja cometida pelos nossos líderes. Como mostra a pesquisa do Instituto Sivis (Estadão, 23/8), 73,6% dos entrevistados podem ser definidos nessa categoria de ‘democratas instrumentais’. Atitude confirmada pela brusca mudança de apoio dos beneficiados pelo auxílio-emergência. Que, num ‘cavalo de pau’, deixaram um populista de esquerda para aderir a um populista de direita.
Nesse quadro, os partidos transmudam-se em aparelhos de chefes e burocratas que os utilizam para se reproduzir. Como se a disputa pelo poder, natural da política, não fosse para realizar objetivos coletivos. Mas, sim, para perpetuar privilégios de oligarquias partidárias. Mesmo no atual contexto, tão diverso, o país vai reproduzindo a triste sina da América Latina. Eternamente buscando caudilhos e líderes populistas.
E por eles se deixando manipular. A cumprir a premonição de Gonzalo Bernal, o personagem idealista da Revolução Mexicana de 1910, de Carlos Fuentes, em seu clássico A Morte de Artemio Cruz. Na noite anterior à sua execução pelos guerrilheiros de Pancho Villa, Bernal confidencia a Cruz: “Esse é o drama. Não há mais que eles [os caudilhos]. Não sei se te recordas do princípio. Faz tão pouco tempo, mas parece tão longe... quando não importavam os chefes. Quando isto se fazia não para elevar um homem, mas a todos. [...] Povoado por onde passava a revolução era povoado onde se acabavam as dívidas do camponês, se expropriavam os agiotas, se libertavam os presos políticos e se destruíam os velhos caciques. Mas vê como foram ficando para trás os que acreditavam que a revolução não era para inflar chefes e sim para libertar o povo”.
Maurício Rands. Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford
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