Ainda um tanto espantadas – como se houvessem despertado de um longo pesadelo – as pessoas não sabiam se acreditavam ou não no que estava acontecendo.
Já nos primeiros momentos, uma mensagem de Twitter – veiculada pelo iluminado guru – tentava minimizar a situação, afirmando que tudo não passava de mais uma conspiração com o objetivo de derrubar Sua Excelência, o PR.
Ao iluminado guru veio somar-se o Ministério da Fraude, com sua fantástica rede de robôs, a abastecer o fantasioso imaginário do “povo marcado” (“êh, povo feliz!”) do cercadinho palaciano.
Poucos minutos depois – por meio de uma nota breve e atabalhoada – um sujeito de olhos de cão e cabelo abrilhantinado dava o assunto por concluído, confirmando tratar-se de fato de uma armação dos comunas globalistas – diga-se Foro de São Paulo, MST, Globo, Veja, e os diabos – com o propósito de atingir Sua Excelência, o PR.
O tempo passou, e a pandemia assumiu proporções assustadoras. As ruas – desertas e silenciosas – apenas traduziam o quadro de flagrante negação a que todas as coisas – desde a escola, o lazer, os negócios, os assuntos de fé, e até mesmo o amor – haviam sido relegadas. O confinamento social interrompeu as relações mais estreitas e criou a figura do homo solitárius, cujo mundo se restringia a apenas algumas dezenas de metros quadrados. A indústria cerrou suas portas, e os empregos todos sumiram, transformando o trabalhador em massa falida, ao passo que o patrão – outrora amigo do Estado Mínimo – passou a recorrer à verba governamental. Os hospitais – repletos e agitados – davam a dimensão da crise, tirando o sono de governantes e chamando a atenção para a precariedade do sistema público de saúde. Os gritos de dor tornaram-se a trilha sonora daqueles dias, enquanto as imagens das valas comuns – vistas do alto – passaram a ilustrar a matéria jornalística. O tempo transcorria sem rumo, as energias se diluíam como o vento, e viver se tornou uma luta heroica e imprescindível. O número de mortos alcançou cifras gigantescas, chegando-se a muitos milhares.
Uma noite a vinheta da edição extraordinária do telejornal vibrou na tela, e o âncora – como se anunciasse a queda das torres gêmeas do World Trade Center – deu a notícia mais emblemática daquela quadra.
Sua Excelência, o PR, havia testado positivo e – embora gozando de todas as vantagens atinentes à sua condição de mito, sem falar do seu notório histórico de atleta – agora engrossava as fileiras dos mortais, submetendo-se – ainda que a contragosto – ao veredicto da ciência.
Nas redes, a tag #Grandedia! liderava o trending topics mundial, como o assunto mais importante do momento.
Contudo, tanto o iluminado guru quanto o Ministério da Fraude continuavam a negar os fatos, optando por acreditar na teoria da conspiração.
Ah! dessa vez fizeram uma concessão. Mas com ressalva. A doença – em havendo – seria no máximo uma gripezinha. Tá oquei?
José Gonçalves do Nascimento - Escritor
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