No dia 24 de junho, o Senado aprovou um novo marco legal do saneamento básico, e agora aguarda sanção do presidente Bolsonaro para se tornar lei.
Essa mudança na legislação permitirá que as empresas privadas possam concorrer a licitação deste serviço, que até então é de exclusividade das empresas públicas. Com isso, esse direito passa a custar mais caro, já que permitirá a privatização da água e dos demais serviços de saneamento.
“O problema é que no mundo inteiro onde houve privatização dos serviços de água e esgoto, eles ficaram mais caros e piores. Inclusive grandes e ricas cidades do mundo que fizeram a privatização do serviço de saneamento, depois tiveram que voltar atrás. Paris e Berlim são exemplos entre as mais de 260 cidades que tiveram que voltar atrás”, argumenta o ambientalista e assessor da CPT, Roberto Malvezzi, sobre a aprovação desse marco.
Saneamento básico e sua importância
O saneamento básico, conforme está descrito na lei n.º 11.445/2007, trata-se de um conjunto de medidas necessárias a preservação do meio ambiente, prevenção de doenças, promoção da saúde e qualidade de vida da população. Sendo os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos. Na legislação da Bahia também está incluso o controle de vetores. Isso explica porque são medidas fundamentais para que uma sociedade se desenvolva sadia. Sem contar que também é importante para atividade econômica, já que manter a população e o meio ambiente saudável, favorece a economia nas diversas áreas.
No entanto, apesar de ser uma política pública fundamental para a saúde e qualidade de vida da população, segundo dados do Instituto Trata Brasil, o país tem cerca de 16,4% da população sem o abastecimento de água, isso significa que mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras são desassistidos por esse serviço básico. Já os números referentes a coleta de esgoto, os dados apontam que quase 100 milhões de pessoas não têm acesso a este serviço, ou seja, quase a metade da população brasileira.
Isso revela que milhões de pessoas ainda estão desassistidas do acesso à água, direito humano básico reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU). Na Região Nordeste, onde está localizada a maior parte do Semiárido, o número de pessoas desprovidas desse direito aumenta, são mais de 25% da população sem abastecimento de água, segundo dados no Trata Brasil.
Se esses serviços são fragmentados e precários para parte da população urbana, mais agravante é a realidade das comunidades rurais do semiárido, conforme destaca André Rocha, colaborador do Irpaa. “Considerando o saneamento básico na sua essência, ele é praticamente ausente nas comunidades rurais. Por mais que se tenha avançado no abastecimento de água de uso doméstico, sobretudo através das cisternas que guardam água de chuva, diga-se de passagem é a fonte mais segura, de qualidade, barata e democrática, ainda há um déficit significativo no acesso a essa tecnologia”, evidencia.
André argumenta ainda que os demais elementos que compõem o saneamento básico também não existem nas comunidades rurais: “quando digo da inexistência, justifica-se pela ausência de ações efetivas que garantam o suprimento integral desta e das demais demandas inerentes ao saneamento, como: coleta e destinação correta dos resíduos sólidos - o lixo; coleta, tratamento e destinação correta dos resíduos líquidos – o esgoto, e o manejo das águas pluviais. Poderíamos ainda incluir a ausência de ações de controle vetores de doenças”, conclui.
Quem ganha e quem perde com a privatização
Os dados mostram que esse déficit de assistência ao saneamento básico que atinge grande parte da população brasileira corre o risco de ser ainda maior com a privatização. “Ao setor privado importa apenas o lucro das empresas prestadoras do serviço e isso é mais atrativo nos grandes centros. E estas não se preocupam com a universalização do acesso ao saneamento. Muito menos o reconhecem como um direito fundamental. O estado, ao privatizar o serviço, se omite desta obrigação e ainda sai perdendo com marginalização das populações desprovidas do mesmo que passam a requerer mais serviços públicos de saúde”, argumenta Rocha.
Diversos movimentos sociais defendem que “água e energia não são mercadorias”, e que esse direito deve ser universalizado na sua totalidade e qualidade. Porém, essa mudança na lei que regulamenta o saneamento básico coloca em risco este acesso, e mostra quem ganha e quem perde com isso, como aponta Roberto Malvezzi: “as empresas privadas vão ganhar quando
elas se apossarem dos municípios e estados que são rendáveis, cidades ricas, que são pouquíssimas. Quem perde são os municípios mais pobres e as periferias nas grandes cidades. Nós temos um exemplo clássico no Brasil que é Manaus, que ficou 18 anos nas mãos de uma empresa privada e a cobertura da coleta de esgoto da cidade está em 12%. O serviço não avança”, avalia.
O histórico de privatizações no Brasil tem mostrado grandes perdas para o povo brasileiro. Os discursos de Estado mínimo, que ganharam força no atual governo, não esconde a intenção de entregar os serviços públicos nas mãos do capital privado, que busca o lucro e serve apenas aos que tem dinheiro para pagar, não considerando a condição social de milhões de brasileiros e brasileiras, conforme descreve Suely Argolo, militante do Movimento Popular de Cidadania - MPC e sindicalista. Para ela, ‘‘o foco dessa PL é a retirada da autonomia dos estados e municípios no processo de contratação das empresas que distribuirão água para a população e cuidarão dos resíduos sólidos. Quem mais vai sofrer é a população mais pobre e periférica, que deixará de obter as tarifas sociais e não participarão mais do subsídio cruzado”, explica Suely. Esse subsídio cruzado que ela destaca é a contribuição solidária em que as cidades mais ricas, que mais arrecadam, ajudam a custear o saneamento nas regiões que têm menos arrecadação.
Suely alerta que os desafios apontados com essa possível privatização do saneamento só poderão ser superados com a pressão popular e precisará do envolvimento de diversos atores sociais, “sob o aspecto de construir um novo modelo, mas não só o movimento social e a classe trabalhadora, como também formar um frente com nossos políticos, sejam vereadores e deputados pra gente ir pra disputa e brigar pra alterar esse marco regulatório”, defende.
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