“O impacto da desertificação na Caatinga é enorme. Esse processo aumenta o carreamento de sedimentos para dentro da calha principal do rio, trazendo efeitos já bem conhecidos ao Velho Chico”, é o que afirma o professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco, Renato Garcia.
A Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, tem aproximadamente 126.336 km² de área deserta ou em fase de desertificação. Um levantamento feito pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), realizado no período de 2013 a 2017 aponta que cerca de 13% do território do Semiárido brasileiro está desertificado.
Além dos fatores que incluem as condições naturais, o que tem dado uma enorme parcela de contribuição para esse resultado é a ação humana.
Em geral, as ações estão relacionadas às atividades econômicas com o uso intensivo do solo, a contaminação de rios com metais e agrotóxicos, além da mineração. O desmatamento e as queimadas estão entre as práticas mais destrutivas, já que deixam a terra vulnerável aos eventos climáticos, reduzindo capacidade de retenção de água e nutrientes.
Originalmente o processo de desertificação se inicia com a degradação da cobertura vegetal que acarreta uma série de efeitos. Ao passar por um desmatamento severo o solo fica desprotegido e tende a perder nutrientes, ficando suscetível à erosão.
“Isso afeta os organismos que vivem no solo e são responsáveis por permitir a reciclagem da matéria orgânica. Esse princípio, chamado ciclagem de nutrientes, é fundamental para a sobrevivência e manutenção do ecossistema. Sem esse processo, a recuperação da vegetação e da biodiversidade em geral na área é extremamente difícil, isto é, a área não se recuperará sozinha e o processo de desertificação já estará em curso”, afirma Garcia.
De acordo com o Instituto Letras Ambientais, responsável por divulgar a condição da vegetação nas áreas suscetíveis à desertificação no Semiárido brasileiro e em áreas do entorno, quando os solos e a vegetação chegarem a um estado de degradação considerado muito grave, a regeneração das espécies e da produtividade das terras se tornam irreversíveis. Com essa perda genética e biológica, a conservação da Caatinga fica sob ameaça. E quando o bioma está sob ameaça, a saúde humana também sofre o impacto, considerando fatores como insegurança alimentar, comprometimento da qualidade da água e contaminação do ar e do solo, além da mudança na distribuição de vetores de doenças e desastres climáticos, responsáveis por doenças infecciosas e crônicas, desnutrição e mortalidade.
O tema sobre os prejuízos da desertificação, degradação das terras e seca sobre a saúde humana foi debatido em 2019 na 14ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), em Nova Deli, na Índia.
Com o objetivo de minimizar o impacto da seca e da desertificação no Brasil, foi instituída a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (Lei 13.153/ 2015).
“São questões complexas que demandam um constante acompanhamento por meio da assistência técnica e extensão rural, o que na maioria das vezes não existe. O certo é que devemos cada vez mais discutir a questão no âmbito da bacia do São Francisco conforme disposto no Plano Diretor, que dá uma ênfase muito grande e adequada às questões relacionadas ao Semiárido. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco está atento a toda essa problemática e vem investindo recursos oriundos da cobrança pelo uso da água em diversos projetos que estão sendo desenvolvidos, alguns deles sendo licitados, para enfrentar de forma sistemática e científica o avanço da desertificação na bacia do Rio São Francisco”, afirmou o advogado e membro do CBHSF Marcelo Ribeiro.
Embora o problema seja grave, é possível seguir o caminho inverso realizando o uso consciente dos recursos naturais, recuperando as matas ciliares, promovendo o reflorestamento e uso de tecnologias sociais, por exemplo, para captação e armazenamento de água da chuva.
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