O presidente Jair Bolsonaro assinou decreto (sem muito alarde e divulgação) que enquadra no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal o projeto de uma hidrelétrica prevista para implementação em Minas Gerais, segundo publicação no Diário Oficial da União.
A redeGN obteve informações do ato que põe em risco o Rio São Francisco, de acordo com movimentos sociais. Ambientalistas destacam que os impactos não se estendem apenas aos cinco municípios mencionados pela empresa no cadastro do empreendimento, mas a toda a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, sobretudo no trecho entre as Hidrelétricas de Três Marias e Sobradinho (BA).
Neste decreto, o Chefe do Executivo acolhe a deliberação do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) que, em sua Resolução nº 86/2019, recomendou a qualificação no Programa da usina hidrelétrica planejada UHE Formoso, a ser implantada no Rio São Francisco, na região do município de Pirapora, em Minas Gerais.
O objetivo primordial do Decreto é possibilitar um avanço de forma mais efetiva no processo de licenciamento ambiental junto aos órgãos competentes, bem como contribuir nas análises fundiárias, necessárias para o sucesso do empreendimento. A usina hidrelétrica de Formoso contribuirá para a geração de energia a fim de atender a crescente demanda e, ao mesmo tempo, para os usos múltiplos da água, como por exemplo o controle de enchentes, a irrigação e a regulação da vazão do Rio São Francisco.
Empreendimentos qualificados ao PPI são tratados como prioridade nacional, o que agiliza diversos processos e atos de órgãos públicos necessários para que eles avancem, segundo o governo.
No caso da hidrelétrica de Formoso, que será construída no rio São Francisco com 306 megawatts em capacidade, a qualificação no programa federal foi aprovada "para fins de apoio ao licenciamento ambiental e de outras medidas necessárias à sua viabilização", de acordo com o decreto.
Segundo descrição do projeto, a área de reservatório será de 312 km2 e abrangerá os municípios de Buritizeiro (MG) e Pirapora (MG).
O ambientalista Eduardo Gomes ressalta que obras desta magnitude destoam da tendência mundial de buscar energias limpas, baratas e com baixo impacto ambiental. “O governo deveria investir em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e outras fontes mais limpas como a eólica e a solar, principalmente na nossa região. Grandes empresas têm buscado o Norte de Minas para investir em energia fotovoltaica, devido ao potencial local. Investimentos em hidrelétricas são sempre muito altos e com impactos ambientais consideráveis. O momento é de repensar todos os investimentos e estratégias”, analisa.
O decreto foi publicado depois que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse em reunião ministerial que a epidemia do novo coronavírus representa uma oportunidade para mudar pontos da legislação no país sem chamar a atenção e facilitar a exploração de terras hoje restritas pelas leis ambientais.
No vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, liberado para divulgação pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, Ricardo Salles diz que era preciso aproveitar "momento de tranquilidade", com a atenção da imprensa concentrada na Covid-19, para "ir passando a boiada".
Diante da preocupação com uma nova hidrelétrica, houve a criação de um movimento unificado, com a participação daqueles que se preocupam com os impactos que a obra pode causar na cultura, na economia e no meio ambiente. O movimento “Velho Chico Vivo” deve ganhar forças e entre seus adeptos estão artistas, jornalistas, famílias de pescadores, professoras, advogados, ribeirinho, estudantes, pesquisadores, ativistas da causa ambiental e movimentos organizados, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A cantora Priscilla Magela, de Pirapora é contra a construção da Usina Hidrelétrica Formoso. “Questionamos a viabilidade e a necessidade desse projeto que trará morte ao Rio São Francisco e as suas comunidades. O Brasil tem potencial para produção de energia limpa como a eólica, e a solar, por exemplo”.
Priscilla Magela comenta que foi criada uma rede social contra a construção da hidrelétrica no Instagram, @velhochicovive. “O objetivo é divulgar a campanha contra a construção da hidrelétrica Formoso em Pirapora e ampliar o debate para a população. O que queremos é o Rio São Francisco vivo”.
O Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Anivaldo de Miranda Pinto, afirma que "além de todos os enormes desafios que o Rio São Francisco e sua bacia hidrográfica enfrentam historicamente, existe sempre a possibilidade de surpresas que adicionam novas e potenciais dificuldades à dura tarefa de construir nesse curso de águas estratégico para o Brasil uma gestão de recursos hídricos que se mostre sustentável e à altura da diversidade de interesses de uma vastíssima porção do território brasileiro".
Segundo Anivaldo a "decisão do governo federal de inserir, em colaboração com o governo de Minas Gerais, mais uma barragem hidrelétrica na região a montante da cidade ribeirinha de Pirapora e as incessantes iniciativas para ressuscitar a construção de um complexo nuclear no Sertão de Pernambuco, utilizando águas do Velho Chico à altura do município de Itacuruba, dão mostras que, independentemente das administrações que se sucedem à frente do governo central, a postura das administrações federais é basicamente a mesma, ou seja, a repetição de um modelo de utilização das águas franciscanas que já se mostra totalmente defasado face às novas realidades hidrológicas, climatológicas, econômicas, sociais e ecossistêmicas do grande rio da integração nacional".
"É de lamentar que tais iniciativas, como é recorrente há décadas, se façam sempre sob a égide de um centralismo prepotente que ignora o grande contencioso de conflito que tais empreendimentos embutem, o que, no mínimo, aconselharia aos responsáveis por tais iniciativas terem o cuidado de ouvir a todos os estados, populações, segmentos de usuários, municípios que serão diretamente afetados por obras e equipamentos dessa natureza", declarou Anivaldo.
A reportagem entrou em contato com a assessoria da Casa Civil, mas não obteve retorno. A empresa de Engenharia foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos.
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