A chegada do mês de junho 2020 este ano não provocou uma sensação especial para boa parte dos nordestinos, com as expectativas para as festas tradicionais de São João (24) e de São Pedro (29).
A contagem regressiva para esses dias marcam o calendário da população, que espera com ansiedade as comemorações, repletas de significados regionais, culturais e econômicos.
No entanto, o ano de 2020 trouxe uma surpresa um tanto quanto desagradável: o mês junino chegou carregado de apreensão, medo, dúvida e incerteza. A expansão do novo coronavírus, e a consequente pandemia, cancelou, pela primeira vez, a comemoração tradicional, trazendo impactos e danos irreparáveis para toda cadeia produtiva que faz a festa acontecer.
Os números e os casos crescentes no interior do estado obrigaram o estado e municípios a cancelarem os festejos na região, e a proibir a presença dos elementos que constituem a celebração.
Um dos símbolos mais representativos e marcantes na memória das pessoas, que esperam o São João, por exemplo, são as fogueiras, presentes em frente aos condomínios, ruas, casas e sítios das cidades. Neste ano, elas não foram acesas, por emitirem fumaças, que podem agravar os sintomas daqueles que testaram positivo para doença. Mas o elemento fez falta na data dos santos juninos, não apenas por deixar uma lacuna dos que a acendem por crenças, ou apenas para assar o tradicional milho, e sim porque faz parte de uma tradição cultural-histórica milenar.
De acordo com a historiadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Cibele Barbosa, as origens da festa podem ser observadas nos tempos anteriores ao Cristianismo, quando a ideia de cultos com a fogueira já era muito comum na antiguidade, entre os povos do Oriente Próximo, os gregos, os celtas e os egípcios. “Normalmente, populações rurais, espalhadas no Oriente Próximo e na Europa, celebravam esses cultos para garantir a fertilidade, tanto dos solos, como das mulheres”, contextualiza Cibele. Ela pontua que a tradição possui raízes às manifestações pagãs, mas, posteriormente o catolicismo assumiu esses ritos.
“Quando o Império Romano se cristianizou, no século IV d.C., a igreja a católica se adaptou aos cultos populares das comunidades rurais, que já existiam por todo Império Romano. Uma forma de ter uma aderência com essas populações era coincidir o calendário, incorporar esses cultos a um modelo de divindade cristã. Então, de alguma forma, os festejos aos santos se adaptaram aos deuses pagãos”, ressalta a historiadora.
No Brasil, a celebração das festas juninas começam a partir do dia 13 de junho para homenagear o santo casamenteiro, Santo Antônio, 24 para o São João e 29 para comemorar o dia de São Pedro. As datas possuem uma relação com os dias que marcavam o solstício de verão.
“O nascimento de São João Batista antecede seis meses ao nascimento de Cristo, o Natal, também é uma data que se adapta a cultos pagãos no Império Romano. Os dias 22, 23 e 24 eram datas que marcavam o solstício de verão, principalmente o 24. A igreja católica estabelece essa data, como a comemoração do nascimento de São João Batista. No século XIII, na Europa, os festejos passam a incluir Santo Antônio e São Pedro”, comenta a historiadora.
Uma das classes mais afetadas pela crise foi a artística. Nesta época do ano, os cantores de forró, dos locais aos nacionais, costumam fazer cerca de 35 shows durante o mês, que contemplam desde o artista em si à respectiva banda, empresa que cuida da estruturação do evento, empreendedores que vendem lanche no local, à pessoas envolvidas com transporte. Como se reinventar diante de uma pandemia que proíbe aglomerações?
Assim como estratégia dos municípios, os artistas também recorrem às lives se apresentarem e conseguirem lucro com os shows online. O mercado da música precisou se reinventar e essa foi a alternativa. A produção pode ser transmitida pelas redes sociais YouTube ou Instagram. Para o economista da Fundaj, Luiz Henrique Romani, essa possibilidade é uma saída para os artistas que tem um grande número de seguidores.
“Esse formato é possível apenas para quem já tem um grande fluxo de pessoas que vão acompanhar essas atrações, já não é uma saída viável para o pequeno artista, aquele artista local que toca em bares, que é contratado para fazer festas nas chácaras ou lugares privados. Para esses, a live não terá possibilidade de retorno econômico, porque o pagamento por unidade de ouvintes é muito pequeno e você tem que ter um número acima de um certo percentual para poder passar a entrar na conta de quem vai receber. Então os eventos online podem ser um boa saída de diversão para as pessoas que não estão podendo ir para as festas, mas não é uma saída econômica para todos os artistas”, relata o economista.
Ao longo dos 30 anos de carreira, o cantor de forró, Geraldinho Lins, nunca deixou de fazer parte das comemorações de São João. Para ele, o mês de junho sempre foi muito esperado para desfrutar do sereno da época junina, além de expandir a agenda de trabalho, que envolve cerca de 25 pessoas da equipe. E neste ano, são as redes sociais que o possibilita manter-se no mercado, dialogar com o público, e arrecadar fundos e alimentos para pessoas carentes.
“A gente tá se reinventando nesse novo momento, tentando monetizar, captando recursos, trazendo parceiros que queiram alinhar sua marca com a marca da gente numa live, isso potencializa o mercado dele e o nosso. Temos usado hoje 100% de mídia digital. Tem sido a única e mais eficaz forma da gente chegar no público e tem dado resultado. Tenho conseguido, com as minhas lives, uma forma de continuar dentro dessa festa junina e também depois dela, pois não vivemos de forró só no São João, vivemos de forró o ano todo”, aponta Geraldinho.
O cantor Caiã Cordel define que o impacto da data comemorativa irá ultrapassar os limites e impactará financeiramente à carreira de alguns artistas, já que o lucro arrecadado com as festas juninas, muitas vezes, é responsável pelo sustento de um ano inteiro. De acordo com ele, a opção de fazer lives é ótima, apesar de única, mas requer um custo alto, muitas vezes sem retorno posterior. “As lives são bem legais de fazer, porque você está ali diretamente com o público, mas são concorridas. É uma batalha, tem um custo alto para ser feito, sem o recurso do contratante para fazer, a gente tem que fazer como pode fazer, fechando parceria. É desafiador a gente continuar fazendo São João de casa, mas precisamos continuar porque isso leva alegria para o povo”, afirma Cordel.
Já a cantora Irah Caldeira define que a alternativa é válida para contemplar a cadeia produtiva que está sendo prejudicada atualmente, que vive do período junino, mas, culturalmente, não acrescentaria nada, pois os costumes estão impregnados na alma das pessoas que vivem a data comemorativa. Para o cantor Geraldinho Lins, a possibilidade representa um leque de opções importantes para a retomada econômica.
“É importante que tenha o São João fora de época, a gente se adequou a pandemia. Quando ela passar, precisamos fazer festa, vai ser uma coisa muito importante, além da retomada da economia, da manutenção das políticas públicas na saúde, na educação, o entretenimento é importante, porque é cultura, ficarei muito feliz se acontecer”, aponta o artista.
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