Circula nas redes sociais uma tabela que coloca o Brasil como o país com a maior taxa de pessoas recuperadas da Covid-19 do mundo. É #FAKE. A mensagem lista o Brasil em primeiro, seguido de países como Espanha, Canadá, Itália, Japão e Estados Unidos, e usa dados de casos e de recuperados, partindo da base do site Worldometer, consultado no mundo todo.
Acontece que o Brasil nunca esteve no topo do ranking com base neste cálculo na plataforma. A China, por exemplo, país onde teve início a pandemia, em dezembro do ano passado, aparece há tempos com um indicador mais elevado do que o brasileiro. São 78 mil recuperados. Feita a mesma conta que a mensagem utiliza, sobre o total de casos (83 mil), o índice chega a quase 95%. O país, porém, foi suprimido da tabela.
A Worldometer agrega dados de milhares de fontes em tempo real, e fornece estatísticas globais sobre a Covid-19. A ferramenta não mostra essas taxas propaladas na mensagem falsa. Ela apenas fornece os dados brutos.
Para o cientista de dados e engenheiro Maurício Féo, essa não é a conta mais adequada para se calcular a taxa de recuperados. Ele recomenda que se pegue o número de recuperados e se divida pelo total de casos com desfecho já concluído (ou seja, é preciso levar em conta também o número de óbitos). De toda forma, o pesquisador afirma que é falso que o Brasil esteja no topo do ranking sob todos os aspectos.
“É mentira que o Brasil tenha a maior taxa. Basta olhar a da Alemanha e de vários outros países que têm a percentagem muito maior”, afirma Féo, que faz doutorado em física de partículas no Cern (organização europeia para pesquisa nuclear).
Quando é feito o cálculo hoje com os números da Worldometer como a mensagem falsa sugere, o Brasil aparece atrás de 121 países e territórios em taxa de recuperados na lista, que reúne 214 nações.
É preciso ressaltar que há casos como o da Papua Nova Guiné, onde há apenas oito casos de coronavírus e oito recuperados, o que resulta numa taxa de 100% de recuperação. No entanto, há países como a Alemanha, com 168 mil casos totais e 140 mil recuperados, com uma taxa de 83%, e o Irã, que tem 103 mil casos totais e 83 mil curados (80%). Esses países não foram colocados propositalmente na tabela da mensagem falsa, para que ela pudesse continuar sustentando a tese de que o Brasil está na frente na lista.
Além disso, a taxa do Brasil calculada hoje da mesma forma na ferramenta já é bem menor que a registrada na tabela (de 20 de abril), ficando em torno de 40%.
Maurício Féo ressalta que, para fazer um estudo comparativo da taxa de recuperados, é preciso analisar também a taxa de subnotificação, que varia muito de país para país, uma vez que o dado depende da aplicação de testes para atestar a presença do novo coronavírus no organismo. O Brasil está entre os que menos testam e entre os que se encontram em situação preocupante.
“Níveis de testagem da população diferentes levam a percentuais de subnotificação diferentes. Então quem fizer um estudo desse precisa fazer também um estudo da subnotificação para cada região considerada. Sem isso, realmente não se pode comparar os dados de diferentes países”, explica Féo.
“Cada país tem suas equipes fazendo estudos para se chegar ao percentual de subnotificação. No Brasil, há vários, de universidades, que sugerem que o número de casos é 12 ou 15 vezes maior do que o divulgado. Outro exemplo: em Nova York, o número é dez vezes maior que os já confirmados. É preciso levar isso em conta na comparação.”
O médico Domingos Alves, pesquisador do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, concorda. “Como o Brasil quase não testa, também não tem como saber o número de recuperados. O boletim brasileiro é, por natureza, subnotificado. Hoje, temos 125,2 mil casos e 8,5 mil óbitos. A diferença desses dois números é quem está internado, mas não temos o que diz respeito a recuperados. Temos a maior taxa de óbitos por dia no mundo”, aponta.
O infectologista Alberto Chebabo, diretor da Divisão Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, corrobora: o fato de o Brasil só testar casos graves inviabiliza esse tipo de conta. “Não tem como fazer essa comparação. A gente não testa a maior parte dos pacientes, só os internados. Hoje, a gente só consegue fazer teste nos que apresentam Síndrome Respiratória Aguda Grave. Quem foi ao hospital e liberado não foi testado. Fora os que nem chegaram a ser atendidos.”
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