Artigo - A morte das estátuas

26 de Jun / 2020 às 23h00 | Espaço do Leitor

Os protestos antirracistas que ora se propalam mundo afora, como resposta ao assassinato de George Floyd, trazem pro debate a questão dos monumentos históricos, com todas as suas contradições.

Na esteira desses acontecimentos, um bocado de monumentos públicos relacionados a figurões da escravidão tem sido deitado por terra. Alguns chamarão isso de vandalismo, atentado ao patrimônio público, algo a ser punido nos rigores da lei.

Outros dirão que tal gesto não fará qualquer diferença, que os monumentos históricos são reflexo de uma época, e que encará-los dessa maneira não passa de mero anacronismo.

Ocorre que por trás de cada estátua se impõe uma simbologia, e é essa simbologia que lhe confere sentido e razão de ser. A estátua não encerra apenas um bloco de mármore ou de bronze; ela encarna a presença histórica de um personagem. Aquele monumento de Leopoldo II, da Bélgica, é mais do que um simples monumento. É a sacralização da figura de um dos maiores genocidas da história, responsável pelo extermínio de cerca de 10 milhões de negros.

Aos que julgam a questão como assunto menor, sem grande importância pro debate acerca da escravidão, ouso questionar por que determinadas figuras mereceram ser alçadas ao panteão da imortalidade e outras não.

A história oficial tem lado, e seu lado é o lado do vencedor. É ele quem a detém e ele quem dita o que ela – a história – deve dizer, e como deve dizer. Nesse jogo de cartas marcadas é evidente que o herói será sempre o vencedor. E na hora de erguer a estátua, o agraciado será sempre o Bandeirante “desbravador”, e nunca o indígena agredido e escravizado.

A luta contra o racismo implica também demolir - ou pelo menos repensar - os símbolos do racismo. E dentre esses símbolos estão muitos dos monumentos históricos que hoje povoam os nossos espaços públicos.

Não dá pra continuar a cultuar esses símbolos com a mesma naturalidade com que eles foram cultuados em outros tempos. Ocorre que eles remetem ao que há de mais horrendo e indigno na ação humana: a eliminação do outro, quer pela morte, quer pela supressão da liberdade.

Bom seria se no lugar desses monumentos fossem construídos equipamentos públicos voltados à promoção da justiça, da liberdade e da cidadania.

Assim começaríamos a acertar contas com a história devolvendo a cada um dos seus personagens o lugar que lhe é merecido.

José Gonçalves do Nascimento

Escritor

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