Tenho dúvidas – e até acho improvável – que o coronavírus vá provocar uma guinada na vida das pessoas, transformando positivamente de um momento para o outro seus costumes, comportamentos, modo de agir, e os cambaus. As coisas não são tão simples como às vezes podem parecer, sobretudo quando se trata do comportamento humano. E nem é preciso ser psicólogo para saber disso.
Pelo menos até onde se sabe, não foi isso que ocorreu quando de outras crises pandêmicas havidas ao longo da história - tirante, é óbvio, uma possível e natural euforia resultante da sensação de alívio que alguns abençoados tenham tido – uma vez passado o susto.
Tais transformações – creio eu – podem até ocorrer, mas de forma paulatina e no bojo de uma conjuntura maior que envolva, entre outras coisas, uma possível revisão de conceitos – o que, aí sim, é absolutamente factível. Factível e essencial à própria sobrevivência da humanidade que mais uma vez se vê frente a frente com um inimigo sobre o qual ainda não tem pleno controle. O que demonstra o quão ainda somos vulneráveis e o quanto ainda temos de caminhar, não obstante uma porção de coisas boas que fizemos até aqui.
Apesar de todo transtorno a que nos tem submetido, a pandemia não deixa de ser uma excelente oportunidade para que repensemos muitos dos nossos conceitos.
Doravante, um bocado de coisas poderá ganhar novos significados, adquirindo novas formas e redimensionando seus papéis, de modo a adequar-se às diferentes demandas e exigências que já começam a dar as caras. É o caso das ciências. Das artes. Das tecnologias. Dos veículos midiáticos. Dos mecanismos de produção. Das relações interpessoais e de trabalho. Da relação aluno-escola. Das ações de solidariedade, nos seus diversos níveis. Das políticas sociais e de meio ambiente. Dentre outros.
Algumas experiências já começam a ganhar corpo mundo afora. Na Holanda, há poucos dias, um manifesto assinado por personalidades de variados segmentos, incluindo cientistas e pesquisadores, chamou atenção para a urgência na adoção de um novo modelo de desenvolvimento. A ideia é que haja maior investimento nas áreas sociais e ambientais, com vistas a melhor atender às demandas que, inevitavelmente se seguirão à pandemia.
No caso do Brasil, uma das melhores lições desse momento é a que diz respeito ao papel do Estado. A crise deixa cada vez mais claro que esse troço chamado Estado existe para proteger os cidadãos e não apenas para impor normativas. O que torna descabida qualquer tentativa de redução do Estado e de suas políticas, principalmente aquelas de feição social.
Cito, a título de ilustração, os casos do “auxílio emergencial” e do Sistema Único de Saúde.
Sem o auxílio emergência – apesar de transitório, como o próprio nome já diz – a situação certamente estaria muito mais crítica. E não é difícil imaginar o que poderia estar acontecendo país afora, com milhões e milhões de estômagos vazios.
O caso do SUS não é diferente. Sem ele, os efeitos da doença seriam muito mais desastrosos e a grande maioria dos infectados estaria condenada a morrer. O que aconteceria conosco se, a exemplo dos Estados Unidos, não dispuséssemos de um serviço público de saúde dessa grandeza, mesmo que ainda falho em certos aspectos? Sem dúvida, uma catástrofe!
Isso talvez não seja o bastante para conter o afã dos “privatistas” de plantão. Mas não deixa de ser uma pá de cal no “mito” do Estado mínimo.
Fato é que um novo mundo estar sendo gestado. Depende de nós torná-lo melhor do que o foi até o momento.
José Gonçalves do Nascimento
Escritor
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