Um ônibus saiu de São Paulo com destino a nove cidades baianas, com, pelo menos, 10 contaminados pela covid-19. Dos infectados, nove tinham como destino final a cidade de Nova Soure. O município, que antes tinha 15 casos, ganhou também um décimo vindo de São Paulo, em outro veículo, passando para 25 no boletim epidemiológico divulgado no último domingo.
O ônibus da empresa particular, que fez a viagem de forma clandestina, saiu do lado de fora da rodoviária de Socorro, na capital paulista, na sexta-feira de manhã, com 32 passageiros.
Desses, 14 (nove contaminados e cinco que tiveram contato com eles) desembarcaram no sábado à noite em Nova Soure. As outras 18 pessoas desembarcaram em outras oito cidades: um homem em Santo Estevão, um homem em Feira de Santana, um homem em Alagoinhas, um homem em Sátiro Dias, quatro mulheres e três homens em Inhambupe, duas mulheres em Cipó, uma mulher e um homem em Crisópolis, e três homens em Olindina.
Essa última cidade também teve um caso de coronavírus vindo do veículo, o que foi confirmado pela secretária de saúde do município, Sheila Matos de Oliveira. Nova Soure e Olindina fazem divisa entre si e estão localizadas no nordeste da Bahia, com uma população de cerca de 25 mil cada. Já a secretaria de Saúde de Cipó, cidade de 15 mil habitantes, informou que as duas passageiras testaram negativo e estão sendo monitoradas. A cidade possui cinco casos de coronavírus, três vieram de São Paulo.
Em Nova Soure, nessa segunda-feira, dois outros casos da doença foram registrados, totalizando 27 infectados. Desses, 25 são casos importados: um de Salvador, um de Curitiba e 23 de São Paulo. As outras duas pessoas se contaminaram em contato com os casos importados e uma precisou ser internada e transferida para o hospital de campanha do Governo do Estado montado na Arena Fonte Nova. Todos os outros registros são de casos leves, assintomáticos ou já curados.
O CORREIO não conseguiu retorno ou não obteve contato com as outras cidades citadas para saber se mais casos vindos do veículo foram descobertos.
Sem se identificar, uma passageira disse que a viagem custou R$ 350 e explicou que todos embarcados usavam máscara, mas o ônibus, de janelas fechadas, utilizava ar-condicionado. “Meu teste indicou que eu já tive o vírus quando estava em São Paulo. Tive sintomas leves em março, não precisei ir ao hospital”, disse.
Para a secretária de saúde de Olindina, essas pessoas não foram contaminadas no ônibus e já embarcaram com o vírus. “O resultado não dá positivo em menos de 48 horas de contato com uma pessoa infectada. Acredito que essas pessoas não sabiam que estavam contaminadas. Elas só são testadas quando chegam na cidade”, explicou Sheila..
Procurada, a empresa Moacir Tur não informou se os funcionários que atuaram na viagem também estavam contaminados ou se estão sendo monitorados pela empresa. “As prefeituras sabiam que esses passageiros estavam chegando. Os passageiros estão em isolamento com o apoio da prefeitura e da empresa”, disse uma funcionária, que não se identificou.
No site da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), a Moacir Tur não está cadastrada na lista de empresas que podem fazer transporte regular de passageiros em viagens interestaduais. A funcionária disse que isso acontece, pois o negócio é vinculado a outra empresa cadastrada, mas não informou o nome ou contato. Uma rede social da Moacir Tur informa que ela atua desde 1999 na área de turismo.
No entanto, há publicações que fazem propaganda dos serviços de transporte regular de passageiros e de encomendas. Nos comentários, diversas pessoas manifestam interesse em sair de São Paulo e voltar ao interior baiano em plena pandemia.
“Não existe maldade na atitude dessas pessoas. Elas estavam trabalhando em São Paulo, ficaram desempregadas e lá até passavam fome. Os municípios têm que se preparar para acolhê-los”, disse a secretária de saúde de Olindina, cidade que possui sete casos de coronavírus registrados, cinco vieram de São Paulo.
Fiscalização: Em todo o Brasil, a ANTT, responsável por fiscalizar o transporte clandestino interestadual, já autuou 307 veículos entre abril e o início desse mês. Na Bahia, apenas 25 ônibus do tipo foram apreendidos: 12 na região de Feira de Santana, cinco em Vitória da Conquista, sete entre Vitória da Conquista e Jequié e um em Eunápolis.
Uma reportagem do CORREIO sobre a volta de baianos desempregados de São Paulo para o interior baiano mostrou que pelo menos cinco cidades da Bahia, de menos de 60 mil habitantes, tiveram o seu primeiro caso de coronavírus importado de São Paulo. Esse número pode ser maior, pois algumas cidades optam por não divulgar detalhes dos casos confirmados.
O especialista em regulação da ANTT, Carlos Solrraique, confirma que o fluxo de passageiros está maior em direção ao Nordeste do país. “Pessoas desempregadas ou em quarentena estão retornando para a terra natal, ainda que temporariamente”, disse.
Após serem pegos pela fiscalização, os motoristas são liberados e os veículos conduzidos para o pátio da ANTT, vindo a ser liberado depois de 72h, após pagamento de taxas. A empresa clandestina deve contactar uma empresa regular para fazer o transporte dos passageiros até o seu destino final. Ou seja, independente da fiscalização, as pessoas conseguem sair de São Paulo e chegar na cidade natal, em plena pandemia. A principal irregularidade constatadas nos veículos apreendidos é a ausência de itens obrigatórios de segurança, como pneus carecas e para-brisas trincados.
Em nota, a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba), informou que muitas empresas têm conseguido liminar judicial autorizando a circulação de ônibus interestaduais. As decisões da Justiça são amparadas no fato de a regulação desse tipo de transporte ser de responsabilidade da ANTT, órgão federal.
“O governador Rui Costa já fez apelos públicos aos ministros da Justiça e da Saúde para sensibilizar a ANTT a suspender a circulação desses ônibus. O Governo do Estado também já formalizou ao STJ pedidos para suspensão das liminares que permitem a circulação desses ônibus na Bahia”, afirmou a nota.
O CORREIO tentou contato com a secretaria de saúde de Sátiro Dias, mas o telefone deu na caixa postal. A assessoria da prefeitura de Alagoinhas também foi procurada e não atendeu às ligações.
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