A covid-19 ampliou a fome nas comunidades vulneráveis. É o que revela a primeira onda de pesquisas do Painel de monitoramento com lideranças comunitárias sobre os impactos do avanço da pandemia da Covid-19, realizado pela Rede de Pesquisa Solidária.
O estudo contou com o levantamento de informações junto a lideranças de mais de 70 comunidades, bairros, territórios e localidades de alta vulnerabilidade social em seis regiões metropolitanas do País. O Painel pretende registrar regularmente informações objetivas sobre os principais problemas enfrentados por essas populações com o avanço da pandemia.
A identificação e acompanhamento desses problemas permitem a antecipação de crises e gerenciamento de risco, tanto pelo poder público quanto pelas próprias comunidades. Entre os dias 5 e 10 de maio foram realizadas perguntas rápidas padronizadas, a partir de aplicativos de celular, a 99 lideranças comunitárias, com retorno de 72 delas.
As lideranças e representantes comunitários são fontes estratégicas de informação, pois estão cotidianamente mobilizados no enfrentamento dos problemas mais graves que atingem suas localidades. Em diálogo constante com a população, recebem demandas, gerenciam conflitos e possuem olhar mais integrado dos territórios em que atuam.
O coordenador geral do Conselho Popular de Petrolina, Rosalvo Antonio, em contato com a reportagem da refeGN, avaliou que a pandemia "ao que tudo indica foi importada pela elite brasileira".
"Chegou de forma avassaladora na classe pobre do nosso País, Petrolina não foge a regra em que pese os esforços aparentemente feitos pelas autoridades, ele bate de frente com com a periferia que está vulnerável a todo tipo de violência, inclusive a que eu considero a maior delas, que é a negação dos direitos sociais, responsável pela geração de vários outros tipos de violência, inclusive a doméstica e o desespero pela sobrevivência.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) ressalta a importância do engajamento comunitário para a efetiva comunicação dos riscos e do controle da epidemia em contextos locais, principalmente nas comunidades mais vulneráveis. Por seu conhecimento do território, por sua experiência e pela capilaridade de suas redes pessoais, as lideranças comunitárias exercem papel estratégico na disseminação de medidas de prevenção ao vírus e na construção de soluções alternativas aos danos sociais da pandemia.
As respostas expressaram um quadro de desalento generalizado. Em 68% das comunidades a fome já é um dos principais problemas vividos. Trabalho e renda são problemas graves mencionados por mais de 60% dos entrevistados.
Quase metade das lideranças apontou falta de renda e o desemprego como uns dos principais problemas intensificados pela pandemia. Até mesmo o auxílio emergencial proposto pelo governo federal para amenizar a falta de renda e emprego se tornou uma questão grave na vida das pessoas: mais de 30% dos entrevistados relataram que as dificuldades para acessar o benefício estão entre os problemas mais intensos vividos pelas populações residentes nessas comunidades.
A fome e a falta de renda para aquisição de alimentos constituem as dificuldades mais recorrentes e críticas que a população desses territórios enfrenta nesse momento. Há percepção generalizada de que a fome causada pela privação de recursos atinge muitas famílias. O risco à segurança alimentar se intensifica à medida que a epidemia se prolonga e recursos emergenciais se mostram insuficientes.
Apesar da multiplicação de iniciativas de distribuição de cestas de alimentos nas comunidades, provenientes de políticas assistenciais, da sociedade civil organizada e de filantropia, as associações locais e lideranças estão fortemente mobilizadas em busca de recursos e soluções comunitárias. Porém, esses esforços são insuficientes para suprir as necessidades crescentes, como se pode ver pelos relatos.
Desemprego, redução do salário e ausência de renda estão entre os efeitos da pandemia mais citados pelas lideranças. Prevalece a percepção de que parcelas consideráveis de trabalhadores dessas localidades perderam seu emprego, enquanto outras sofreram redução de salário. Pequenos comerciantes e prestadores de serviços também enfrentam queda acentuada de rendimentos.
Há menções recorrentes à situação crítica de profissionais autônomos e informais que foram temporariamente dispensados sem garantia de remuneração nem previsão de retomada de suas atividades. É o caso das faxineiras diaristas, das cuidadoras e dos profissionais de manutenção e construção civil, como pedreiros e marceneiros, pois as famílias e estabelecimentos para quem prestavam serviços não mantiveram o pagamento de suas diárias.
Diante do agravamento das necessidades e da insuficiência das respostas governamentais, as lideranças relataram crescimento das pressões pela retomada de atividades de geração de renda, o que muitas vezes implica o não cumprimento das recomendações de isolamento social e, por consequência, o aumento do risco de contágio.
O estudo é descrito em uma nota técnica coordenada por Graziela Castello, Priscila Vieira e Monise Picanço, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), e teve a participação de Gabriela Palhares, do Observatório da Inovação da USP, Jaciane Milanezi, do Cebrap, e Jonatas Mendonça dos Santos, Laura Simões e Rodrigo Brandão, da USP. As informações são do Jornal USP.
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