Por Lorena Cardoso/Agência MultiCiência
No dia 26 de fevereiro, o Brasil confirmou o primeiro caso da Covid-19. Ao longo dos últimos três meses, já são mais de 17 mil vítimas da doença. A Região Nordeste não ficou imune a este quadro, a curva de crescimento do contágio pelo vírus na região se encontra em ascensão, ocupando o segundo lugar no índice de infectados, com destaque para os estados do Ceará e Pernambuco.
Além do acúmulo de casos nos grandes centros, o coronavírus tem chegado aos municípios do semiárido nordestino. A cada dez cidades que possuem confirmação para casos do Covid-19, quatro não têm cobertura adequada de saneamento básico nem estrutura para o tratamento de doentes, facilitando a proliferação do vírus e sobrecarregando o sistema de saúde.
Estudo divulgado pela equipe de Estudos, Pesquisas, Tecnologia e Inovação da Saúde apresenta uma lista dos municípios nordestinos mais vulneráveis aos efeitos da pandemia de Covid-19, entre eles Juazeiro/BA e Petrolina/PE, que fazem parte da mesorregião do Vale do São Francisco. Com quase dois meses do aparecimento dos casos na região, os dados indicam 172 infectados, sendo 124 casos em Petrolina, com cinco óbitos; e 48 em Juazeiro, com duas vítimas, até o dia 18 de maio.
O Colegiado de Economia da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE) acompanha e monitora os dados estatísticos de incidência do coronavírus na região, a fim de trazer novas informações sobre os números de contagio e a necessidade do isolamento social, salientando também o impacto econômico nos dois municípios. Doutor em Economia e professor da FACAPE, João Ricardo Ferreira de Lima, é um dos responsáveis pelo estudo a respeito da Análise do Avanço da Covd-19 no Vale do São Francisco. Em entrevista a Agência MultiCiência, ele esclarece que a curva de crescimento de incidência de casos tem crescido exponencialmente, sendo necessário, no atual momento, “intensificar a quarentena com medidas mais restritivas para aumentar o percentual de isolamento para taxas superiores a 60%, que é o recomendado. Se isto não for feito agora, em um futuro breve será necessário um lockdown, ou seja, o isolamento obrigatório, como foi adotado em outros locais do país”.
Para compreender melhor os estudos desenvolvidos na Facape e como a pandemia afeta a vida das pessoas e o cenário econômico, confira a entrevista:
MULTICIÊNCIA: No atual momento, é prudente evitar o relaxamento das medidas de isolamento?
João Ricardo: O Colegiado de Economia da FACAPE tem monitorado o crescimento do número de casos em Juazeiro/BA e Petrolina/PE e de óbitos. Estas informações, ressalva-se, dependem do número de testes que são realizados. Quanto mais testes são realizados, mais novos casos aparecem, como demonstra a cidade de Petrolina/PE que aumentou a quantidade de testes rápidos e isto fez as estatísticas crescerem. A curva de casos na região tem crescido em um formato exponencial. O número praticamente dobrou entre os dias 2 a 11 de maio. A taxa de crescimento de casos calculada para a região é de 8,41% ao dia, maior do que a taxa nacional pós-quarentena (7,21%). Outras informações têm mostrado que a região não tem conseguido “achatar a curva” no período mais recente e que o índice de isolamento é pouco maior do que 40%. Desta forma, o prudente no momento é justamente intensificar a quarentena com medidas mais restritivas para aumentar o percentual de isolamento para taxas superiores a 60%, que é o recomendado. Se isto não for feito agora, em um futuro breve será necessário um lockdown, ou seja, o isolamento obrigatório, como foi adotado em outros locais do país.
MULTICIÊNCIA:O Brasil apresenta crescimento para novos casos do Covid-19, enquanto em outros países já se percebe um achatamento da curva de infectados e óbitos. Você acredita que o Brasil pode ultrapassar os Estados Unidose se tornar o novo epicentro mundial da pandemia?
João Ricardo: Depois da Europa, os Estados Unidos passou a ser o centro da Pandemia. O número elevado de casos e óbito parece estar próximo de superar o pico. Na atualidade, a Rússia, o Brasil e a Índia devem ser os novos epicentros, sendo o caso da Rússia o mais complicado no momento. O Brasil por ser um país continental com elevada pobreza e desigualdades de diversos tipos pode ter um grande crescimento de número de casos com certeza e até superar os Estados Unidos. Para que isto não ocorra, é necessário que a população entenda a necessidade de ficar em casa, usar máscara como proteção e álcool gel. Também é necessário que o poder público entenda que ninguém fica em casa se estiver com fome. Assim, os auxílios precisam chegar as pessoas que possuem necessidades urgentes com maior rapidez do que a atual e também recursos para as empresas.
MULTICIÊNCIA: Muitas cidades e estados nordestinos não possuem testes rápidos suficientes. Com base nisso, o Nordeste se encontra em situação vulnerável e pode se tornar o epicentro da pandemia no Brasil?
João Ricardo:O epicentro do Brasil hoje é a região Sudeste, pois os casos apareceram primeiro lá. Contudo, dentre os estados com situação mais complicada estão o Ceará e Pernambuco. O coronavírus está se interiorizando pelo semiárido. Inicialmente, se pensou que o clima seria desfavorável para proliferação, mas a cidade de Manaus é bastante quente e mesmo assim há uma grande quantidade de casos. A diferença é que Manaus é muito úmida e o semiárido é seco. Ainda será necessário aguardar para saber se isto fará alguma diferença. Por outro lado, dentro do Brasil o Nordeste é uma das regiões com grandes desigualdades e pobreza, com múltiplas carências. Desta forma, a preocupação com a região é enorme. Felizmente, o grupo de Governadores se reuniu e organizou o Comitê Científico do Consórcio Nordeste e este grupo tem trabalhado bastante para pensar em formas de enfrentar a COVID-19 na região.
MULTICIÊNCIA: Qual o impacto econômico da pandemia na região do Vale do São Francisco, no caso das duas maiores cidades - Juazeiro/BA e Petrolina-PE?
João Ricardo: Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o momento é de se preocupar com o impacto na vida das pessoas. Esta é uma crise de saúde. Contudo, está totalmente conectado, a saúde, a economia e o social. Como a medida a ser adotada para minimizar os problemas de saúde mais utilizada no mundo é o isolamento social, a economia é diretamente afetada e o social em consequência. São dois choques que ocorrem, choque de demanda e de oferta. Na demanda, pois em diversos ramos de atividade econômica os estabelecimentos não podem receber clientes (da barbearia ao comércio em geral, academias, bares, turismo, etc.). Porém, também é uma crise que afeta a oferta, pois os trabalhadores não podem ir para as empresas, escritórios, indústrias. Em locais, onde é possível se trabalhar remotamente, as atividades continuam. Porém, não é possível trabalhar remotamente em todas as ocupações. Assim, no Vale do São Francisco o comércio de atividades não essenciais, principalmente, tem sentido o maior impacto, profissionais autônomos que não podem trabalhar remotamente, o setor de serviços em geral. Muitos investimentos próximos de abrir ou recém-abertos foram diretamente afetados. Por outro lado, muitos se reinventaram também. O motorista de aplicativo virou entregador de Delivery, muitos estabelecimentos migraram para atendimento online. Finalmente, a atividade econômica que faz o Vale ser conhecido nacional e internacional o efeito, até o momento, não é grande. A demanda por frutas se manteve, tanto no mercado interno quanto no externo e até aumentou em um período. Os preços do mercado externo, contudo, não foram muito atrativos em parte de março e abril. No mercado interno, os preços de manga, por exemplo, têm aumentando nas últimas semanas e ajudado o produtor.
MULTICIÊNCIA: Como fica a situação da exportação de frutas na região?
João Ricardo:A fruticultura no Vale do São Francisco seguiu o lema “o agro não pode parar”, investiu em equipamentos de proteção para proteger os funcionários e manteve sua produção. Algumas empresas estão reduzindo a quantidade de produção para o segundo semestre, temendo a crise mundial pós-pandemia. Contudo, no momento, a demanda segue firme e os preços reagiram depois de algumas semanas ruins onde estavam baixos. Em relação ao mercado externo, segue a indefinição de como será. A demanda, até o momento, existe e até aumentou. A qualidade da fruta brasileira não estava boa, devido às chuvas intensas na região. Isto teve efeito nos preços. Só que um forte fator que afeta as exportações está bastante favorável, que é o câmbio. Com as taxas nos níveis atuais os produtores brasileiros se tornam bastante competitivos no mercado internacional e isto deve favorecer a quantidade de exportação de frutas, mesmo que parte dos custos aumente em função de insumos importados. Em suma, para a fruticultura de exportação pode-se considerar que as expectativas são melhores do que para os outros setores da economia, mesmo longe de poder ser considerado um “ano bom para se ganhar dinheiro”.
Entrevista exclusiva concedida a Lorena Cardoso, Graduanda em Jornalismo em Multimeios da UNEB para Agência MultiCiência.
Para conhecer a trajetória acadêmica de João Ricardo Ferreira Lima, acesse o currículo lattes aqui.
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