Artigo - O idoso e a dignidade humana

22 de Apr / 2020 às 23h00 | Espaço do Leitor

Por Luiz Antonio Costa de Santana

Há um nítido dilema ético no vídeo em que o (novo) ministro da saúde, Nelson Teich, afirma que em caso de escolha entre salvar a vida de um idoso e de um jovem, este é prioritário.

Vale dizer, o idoso seria o que os romanos denominavam de Homo sapiens sapiens sacer, na medida em que a idade seria, indistintamente, um traço negativo. Isso porque, nas precisas palavras de GIORGIO AGABEN (Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 182):

“(...) nós não somos apenas, nas palavras de Foucault, animais em cuja política está em questão suas vidas de seres viventes, mas também, inversamente, cidadãos em cujo corpo natural está em questão a sua própria política”.

Num Estado de Direito que se diz fundado, entre outros, nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, é de ver-se que o pronunciamento do ministro é inoportuno, revelando um discurso fundado em um suposto benefício social que a expectativa de vida do jovem representa, o que seria vedado também pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003.

Por esse motivo, o Conselho Federal de Medicina editou, em 2016, a Resolução 2.156 que estabelece critérios para admissão em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI’s), partindo de pacientes com elevada probabilidade de recuperação como o mais elevado grau de prioridade. Especificamente no art. 9º a Resolução prevê que a decisão médica no tocante ao acesso à UTI deve ocorrer, sem qualquer preconceito, isto é,

“sem discriminação por questões de religião, etnia, sexo, nacionalidade, cor, orientação sexual, idade, condição social, opinião política, deficiência, ou quaisquer outras formas de discriminação”.

Defender uma visão reducionista da vida, como fez Nelson Teich, viola uma concepção metodológica de análise do problema, pois, conforme leciona FRITJOF CAPRA (A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1999, p. 23):

“Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes.

Na mudança do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico, a relação entre a parte e o todo foi invertida.

(...)

A ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não podem ser compreendidos por meio da análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo maior. (...)”

Luiz Antonio Costa de Santana é advogado e professor da UNEB e UNIVASF, e-mail [email protected]

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