“Obscena é a fome." Para José Saramago, militante da liberdade e dos direitos sociais, obscena mesmo era a fome, que matava e mata milhões no mundo. A frase de José Saramago, que intitula essa reportagem, é produto do contexto social e da visão de mundo desse escritor, ainda o único nobel de literatura da nossa língua portuguesa.
No início desta semana, o cantor e compositor Flávio Leandro relatou um episódio mostrando que "a obscena fome" está voltando aos sertões brasileiros, em especial ao Nordeste. "Pai, quando chegar em Ouricuri, pai compra comida?
Confiram:
PRA HOJE! Saindo de Bodocó, com destino a Ouricuri, parei pra atender a um pedido de carona de um casal e seus três filhos pequenos, cujo destino final seria o velório de um ente querido, em Salgueiro-PE. No meio da conversa que íamos tecendo, fomos interrompidos por um dos rebentos: "pai, quando chegar em Ouricuri, pai compra comida?", ao que o pai atalhou, "quando chegar na Casa de sua vó, a gente come, meu filho". O menino retrucou: "né comida ruim não, pai, é comida boa". Eu intervi, perguntando ao pequeno o que seria essa comida boa: "oxe, macarrão, carne...". Pensei: caraca, algo tão simples meu Deus! Tentando amenizar a insistência do garoto, com a resignação de um boi a caminho do abate, o pai completa: "meu filho, quando você crescer e tiver seu trabalho, irá comer tudo isso". Não aceitando o prazo inatingível, o moleque açoitou: "é pra hoje, pai!".
Poxa...isso dói, bicho! De cara vem logo a imagem dos tabacudos de plantão demonizando um bolsa família...Achando que 100 reais dado a um irmão necessitado é um assassinato aos cofres públicos, um atentado contra a meritocracia injusta a que pobres e ricos são submetidos, numa corrida diária onde o rico sempre larga a poucos metros da chegada. Estes mesmos são os primeiros a encampar bandeiras de campanhas para arrecadação de cestas básicas, mostrando uma caridade cujo resultado não passa da aposição de um carimbo de miserável na testa de quem as recebe...É contra essa "enchente de caridades" que minha música brada. A caridade de quem passa o ano lucrando deste caos, e enxerga na doação humilhante, sua indulgência particular, a remissão de seus pecados... chega de hipocrisia... O de hoje, eu passei pra família, mas o de amanhã? O de amanhã é nosso...nós, somos os responsáveis diretos pela garantia de dignidade de nossos irmãos. E quem pode executar isto é o estado, que tão generosamente ajuda bancos e empresas!
Flávio Leandro-cantor e compositor
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