A cada duas horas, uma mulher é morta no Brasil. São 12 por dia. Na grande maioria dos casos, a experiência demonstra haver sempre um padrão: machismo, ciúme, rejeição e feminicídio.
Senão vejamos, por amostragem: Luiz Carlos, 34, um jovem executivo inteligente e bem apessoado, conhece Ana Paula, uma bela morena de 30 anos. Iniciaram um relacionamento e logo se apaixonam. Foram necessários apenas três meses de intenso affair para que Luiz botasse as unhas de fora.
Seu ciúme paranoico começou a corroer a relação, pois passou a exercer um severo controle sobre a vida de Ana Paula. De celular em punho, não dava tréguas a sua futura vítima. Você está onde? Mande uma foto! Esse decote está escandaloso ...
Quem é esse cara que está passando atrás de você? Vou até aí só para vê-la, e saber como você está. E por aí vai. Ana Paula passou do céu para o inferno num abrir e fechar de olhos. De juras de amor a xingamentos, perseguição e agressões de toda ordem. Quando Ana se deu conta que estava namorando um potencial feminicida de altíssima periculosidade, já era tarde. Decidiu acabar o relacionamento e acionou o gatilho na psiquê do paranoico, com quem chegou a dividir a cama. Numa tarde de domingo, após inúmeras tentativas frustradas de reconciliar-se com Ana, Luiz irrompeu no seu apartamento, empunhando um martelo, e, num acesso de fúria, estrangulou-a até a morte. Não sem antes desfigurá-la. Evadiu-se, esperou uma semana, apresentou-se à polícia com um advogado, foi ouvido e liberado. Pois é, mais um animal à solta após assassinar brutalmente um ser feminino que nenhum mal lhe fez.
Merecem registro alguns excertos de Meraldo Zisman, no seu Misoginia, magistral artigo publicado neste Diario de Pernambuco, em 5.2.2020: Por que os homens têm tanto medo da emancipação das mulheres? Misógino refere-se a um indivíduo que sente aversão, horror, desprezo, preconceito, ódio ou repulsa às mulheres. Locução derivada de misoginia tem sua origem nas palavras gregas “miseó”, que significa “ódio”; e “gyné”, mulher. (a...)
Bastaria dizer que a taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo. Na primeira semana de 2020, foram registrados 145 assassinatos de mulheres em São Paulo. (...) Não é questão de riqueza, educação ou modernidade. A maioria dos machos humanos desde cedo fica presa na gaiola do machismo. E faz dele profissão de fé. Desprezar e humilhar a mulher são movimentos táticos dos malsinados machistas, na implementação da estratégia de desmoralizar a companheira, diminuindo sua força, sua coragem e sua liberdade.
As injúrias são as de sempre: rapariga, prostituta, maria batalhão etc.... Segundo a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher de São Paulo, o DNA de um feminicida é formado pela sensação de posse da companheira. Daí querer escolher o que ela veste, com quem anda e pra onde vai. Não é a toa que vários segmentos da sociedade estão se manifestando diuturnamente através de uma ofensiva difusa, a fim de chamar atenção para esse absurdo morticínio do qual estão sendo vítimas milhares de jovens, mães de família, trabalhadoras, comparável ao holocausto da Segunda Guerra Mundial. Não será surpresa se o número de vítimas já houver ultrapassado os seis milhões.
Como as estatísticas não mentem, é provável que, nesse carnaval que passou, essas hordas de assassinos que vivem espalhadas pelo país tenham cumprido mais uma etapa de sua missão genocida: a morte de cinco ou seis dezenas de mulheres. Vamos aguardar o balanço das ocorrências. A luta contra a matança continua. Até quando, só Deus sabe.
Moacir Veloso-Advogado
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