Sob críticas do Legislativo e do Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro foi pressionado a atuar pessoalmente para tentar aplacar uma crise política que ele mesmo criou ao ter compartilhado um vídeo em apoio a um protesto convocado para março.
Desde a manhã desta quarta-feira (26), dia seguinte ao vazamento da mensagem do presidente em um grupo de WhatsApp, ele entrou em contato com deputados e senadores para tentar explicar que não estava convocando aliados para a manifestação.
A intenção era reforçar que apoia as instituições democráticas.
O presidente também destacou assessores palacianos para conversar com líderes partidários em esforço para esclarecer que o episódio se tratou, na opinião dele, de um mal-entendido.
A operação para acalmar os ânimos tem como pano de fundo o receio do governo de sofrer retaliações na pauta econômica.
Na terça-feira (25), Bolsonaro compartilhou em um grupo de aliados um vídeo que convoca a população a ir às ruas no dia 15 de março para defendê-lo.
Além de apoiar o presidente, os organizadores da manifestação carregam bandeiras contra o Legislativo e o Judiciário e a favor das Forças Armadas.
Nas redes sociais, usuários compartilharam convocações com mensagens autoritárias, pedindo, por exemplo, intervenção militar.
O protesto estava previsto desde o fim de janeiro, mas mudou de pauta e foi insuflado após o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, ter chamado o Congresso de chantagista na disputa entre Executivo e Legislativo pelo controle do orçamento deste ano.
Em Guarujá (SP), onde passou o Carnaval, o presidente entrou em contato logo cedo por telefone com ministros palacianos e falou com o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), próximo do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Nas conversas, o presidente fez uma avaliação preliminar da situação. Ele compartilhou nota que divulgaria mais tarde nas redes sociais, a sua única declaração pública até o momento sobre o episódio.
No texto, ele não negou que tenha compartilhado o vídeo, mas afirmou que as interpretações sobre o gesto são “tentativas rasteiras de tumultuar a República”. Ele chamou a repercussão de ilação.
“Tenho 35 milhões de seguidores em minhas mídias sociais (Facebook, Instagram, YouTube e Twitter) onde mantenho uma intensa agenda de notícias não divulgadas por parte da imprensa tradicional”, escreveu.
“Já no WhatsApp tenho algumas poucas dezenas de amigos onde, de forma reservada, trocamos mensagens de cunho pessoal”, afirmou Bolsonaro.
O conteúdo, no entanto, foi avaliado como insuficiente por líderes partidários para solucionar o imbróglio.
Mesmo após a sua divulgação, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro José Dias Toffoli, afirmou que não há democracia sem um Legislativo atuante e um Judiciário independente.
“O Brasil não pode conviver com um clima de disputa permanente. É preciso paz para construir o futuro. A convivência harmônica entre todos é o que constrói uma grande nação”, afirmou, sem citar o episódio do compartilhamento.
Segundo ele, “é preciso paz para construir o futuro.”
Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou respeito às instituições democráticas e disse que criar tensão institucional não ajuda o país a evoluir.
“Só a democracia é capaz de absorver sem violência as diferenças da sociedade e unir a nação pelo diálogo. Acima de tudo e de todos está o respeito às instituições democráticas”, afirmou.
Bolsonaro também foi criticado pelos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“É urgente que o Congresso Nacional, as instituições e a sociedade se posicionem diante de mais esse ataque para defender a democracia”, disse o petista.
O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, disse que o gesto de Bolsonaro, se confirmado, pode abrir caminho para pedido de impeachment.
“Entendo que é inadmissível, o presidente está mais uma vez traindo o que jurou ao Congresso em sua posse, quando jurou defender a Constituição Federal. A Constituição e a democracia não podem tolerar um presidente que conspira por sua supressão”, afirmou.
Ao ver que sua declaração não teve o efeito esperado, Bolsonaro entrou em contato com deputados aliados. Ele escalou o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, para sair em sua defesa junto à opinião pública e para minimizar o impacto do episódio com líderes partidários.
“O presidente não fez o vídeo. E o vídeo não ataca o Congresso em nenhum momento. As cenas são emotivas, mostram o presidente levando a facada [na campanha eleitoral de 2018], defendem o governo. Ele ficou emocionado e compartilhou com amigos, em um grupo reservado e restrito”, disse o general à Folha.
Na mesma linha, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), negou que os conflitos persistirão.
Ele afirmou que a manifestação “é uma expressão de uma vontade da sociedade”. Segundo o líder, o presidente não teve a intenção de incentivar os protestos.
Para reforçar o discurso de que não pretendia apoiar a manifestação, Bolsonaro orientou a equipe ministerial a não endossar em público o protesto e a não participar dele no dia 15 de março, evitando criar o que chamou de um desgaste desnecessário.
Na tentativa de se desvincular da manifestação, o vice-presidente Hamilton Mourão disse, nas redes sociais, que não autorizou o uso de sua imagem nas mensagens de convocação da manifestação. Ele aproveitou para defender Bolsonaro.
“Não autorizei o uso de minha imagem por ninguém, mas protestos fazem parte da democracia que não precisa de pescadores de águas turvas para defendê-la. O presidente não atacou as instituições, que estão funcionando normalmente”, disse.
Pouco depois, Bolsonaro replicou o tuíte de Mourão. “Simples”, escreveu.
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