Olé, lé,lê, Cadê meu carnaval, Carnaval está morrendo, Cadê meu carnaval.. Com esses versos, o músico Geraldo Azevedo parece decretar que o Rei Momo se despede da festa popular, já não é o soberano irreverente, glutão, soberbo. O samba, o som dos tambores e batuques não são os ritmos predominantes. Geraldo entoou a canção há mais de 40 anos e parece ressoar – ainda hoje -, pelos cantos da cidade.
Procuro fotografias e jornais antigos que me tragam vestígios de uma festa popular mais vibrante, com pessoas aplaudindo o desfile dos carros alegóricos e batucadas como a máxima expressão da alegria do povo juazeirense. Encontro, nas folhas da Tribuna do Povo, o repórter José Assis a nos contar que, no ano de 1963, as batucadas se retraíram um pouco na rua; poucas charges e fantasias, somente o Feluca, de bombo e macete em punho, arrancava gargalhadas do público; os bares lotados regados a velha gaita ou pinga; o vizinho reclamou que o som da Marabá atrapalhou o sono, pois ficou até altas horas da noite entoando músicas carnavalescas. E, o povo, onde estava? Encantou-se com o trio elétrico da Rádio Juazeiro e pouco aplaudiu o desfile dos carros alegóricos da Sociedade 28 e da Apolo, que saíram no domingo e na terça-feira. Resultado, diz o repórter: "o carnaval não foi um grande sucesso como esperado nem um fracasso como alguns pretenderam achar".
Em uma simples frase, Zezito, como era conhecido, demonstra que é um traço da cultura juazeirense gostar de uma polêmica, de um disse-me-disse e sempre a se questionar a respeito da ordem e dos poderes. Não seria esse, afinal, o espírito do carnaval: a cidade em festa a trazer rebuliço, a questionar os papéis dominantes, a fantasiar-se de colombina-pierrot-arlequim, a cultura popular se mostrando diversa, tudo junto e misturado?
O carnaval reflete os humores da própria cidade e do seu povo, os que se divertem com música popular-sexista-homofóbica - como parte da sociedade brasileira é - e os que gostam do bom e velho samba. A festa carnavalesca é recriação da nossa imaginação e também da sonoridade que eclode do palco multicultural – que parece caber tudo -–, do Afoxé Filhos de Zaze, das marchinhas de frevo e dos trios e camarotes da indústria cultural-etílica. A cidade se mostra e há públicos diversos para além do espectro nostálgico da Rua da 28 ou da Apolo.
Nos três dias de reinado de Momo, o que realmente importará é que cada cidadão - ao seu modo - brincou o carnaval. E quem não brincou, perdeu a chance de alegrar-se, deixar o corpo e a mente vaguear sem censura, limites. Pois então, libera logo a cerveja, pois a carne é profana, meu coração é de carnaval.
Andréa Cristiana Santos é jornalista e professora do Departamento de Ciências Humanas (UNEB), campus Juazeiro, Bahia.
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