Há muitos anos, o escritor gaúcho Moacyr Schliar, numa crônica de sua autoria, faz alusão ao carnaval como uma das festas abominadas pela maioria dos escritores. Assegurou que quando ficcionistas escrevem sobre a festa de Momo, o resultado quase sempre é tétrico. Exemplifica com três contos: O Bebê de Tartalana Rosa, de João do Rio, A Morte da Porta-Estandarte, de Aníbal Machado e, indo além de nossas fronteiras, O Barril de Amontillado, de Edgar Allan Poe.
A discordância entre passistas, pesquisadores, estudiosos e o povo de um modo geral demonstra que o frevo – Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, conferido pela Unesco, órgão das Nações Unidas –, não foge à regra.
Assim é mais viável aceitar que este ritmo, o mais genuíno das manifestações da cultura popular pernambucana, possui as características que refletem os sentimentos humanos e que existem, também, intelectuais que não abrem mão dos quatro dias de folia. No frevo, encontram-se as referências dos momentos vividos pelos seres humanos: tristeza, alegria, mágoa, saudade, entusiasmo, bem-querer, dor, temas que fazem parte do lirismo, carnavalesco, principalmente os frevos mais antigos.
A folia, a coreografia esfuziante, a tradicional sombrinha, a fantasia nem sempre são sinônimos de arrebatamento. A nostalgia, a perda amorosa, por vezes se inserem à frevança e as letras e a melodia podem até levar pessoas às lagrimas.
Não é exagero dizer que quase sempre a letra do frevo abre alas para a saudade ou para a alegria passarem. As “passarelas” são de todos, refletem tudo. Nas mais diferentes histórias de vida emergem e imergem atos e fatos. Aldemar Paiva compôs: “Saudade é tudo que a gente sente, / é falta que faz a gente, / alguém que partiu, / alguém que morreu, / alguém que o coração não esqueceu”.
Em contrapartida, Capiba anuncia: “De chapéu de sol aberto eu vou / a multidão me acompanha, eu vou / eu vou e venho pra onde não sei, / só sei que carrego alegria...” Já Nelson Ferreira chega ao ápice da exaltação: “Carnaval só tem três dias, / nasceu no Céu / foi os anjos quem inventou”.
Recordo um poeta de raízes plantadas no Recife, avesso ao carnaval, que, ao ouvir Nelson Ferreira, neste frevo, resolveu ir para a folia. Num artigo, nas páginas de um jornal recifense, escreveu que enquanto sua alma dava dois passos para um lado, o corpo dois para o outro. Certamente, para ele, deduzo, não foram os anjos quem inventaram o carnaval.
Inúmeros compositores, com suas letras, são exemplos dessa alegria e dessa tristeza que flui pelas ruas recifenses, olindenses, zona metropolitana, cidades do interior, com os desfiles de seus blocos tradicionais – sem esquecerw o Galo da Madrugada –, troças, bonecos gigantes, papangus, mascarados solitários e em grupo. A paisagem das cidades modifica-se, em quatro dias com as mais variadas formas de frevar, na tentativa de eternizar um sonho que a quarta-feira de cinzas dá o basta e “é de fazer chorar”, canta a multidão.
Mas, enquanto as cinzas não possuem a propriedade do renascimento da fênix, lá vão nos dias dedicados a Momo, os carnavalescos cantando, ”fervendo”, frevando. E por que não dizer: por vezes chorando? Neste momento, há de se ouvir em qualquer local o famoso, frenético e alucinante “Vassourinhas”, de Mathias da Rocha, o mais vibrante frevo de rua de todos os tempos. Então, os passistas enlouquecem e tudo é somente alegria.
Bartyra Soares-Membro da Academia Pernambucana de Letras
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