A batalha nos tribunais com questionamentos ao resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) prossegue, apesar de o governo Jair Bolsonaro ter conseguido na Justiça a liberação dos aprovados no Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
O número de ações tem aumentado desde que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, admitiu no dia 18 de janeiro erros na divulgação das notas dos participantes do exame. Até a sexta-feira (31), a Advocacia-Geral da União (AGU) atuava em 50 processos com pedidos para a revisão dos resultados.
Responsável pela prova, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) afirma que 5.974 participantes receberam notas com erros. Segundo o órgão, a pontuação desses candidatos já foi corrigida.
O desempenho no Enem é usado pelo Sisu para selecionar estudantes para universidades de todo o país.
Desde terça-feira (28), quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu ao governo e derrubou ação que suspendia a divulgação das listas de aprovados, são mais nove processos sobre os resultados.
Há ações em 17 estados. Do total, quatro delas foram indeferidas e sete, individuais, concedidas. Não entra na conta a ação já derrubada no STJ, movida pela Defensoria Pública da União. A AGU afirmou que recorreu de todas as decisões até agora.
Apesar de alguns participantes terem conseguido liminar para a reavaliação dos resultados, o Inep ainda não atendeu essas determinações. A reportagem questionou o instituto sobre isso, mas não obteve resposta.
A primeira decisão foi concedida no Pará, na quinta-feira passada (23). A Justiça Federal determinou a revisão da correção da prova objetiva de uma estudante, autora da ação, nas áreas de linguagens e ciências humanas.
O prazo para o atendimento da ordem era de 48 horas. O Inep recorreu, com o argumento de que não houve prejuízo aos participantes, mas até agora não cumpriu a decisão. Na quarta-feira (29), uma nova decisão no Pará reforçou a obrigação de o Inep revisar as notas da candidata.
No despacho, o juiz Jorge Ferraz de Oliveira Junior afirma que deferiu o pedido para que "se afaste eventual dúvida quanto à limitação geográfica da divergência entre o caderno de prova e o gabarito oficial".
Mais de 95% dos quase 6.000 participantes do Enem afetados pelo erro reconhecido pelo Inep estão concentrados em quatro cidades: Viçosa, Ituiutaba e Iturama, em Minas Gerais, e Alagoinhas, na Bahia. Entretanto, há casos específicos espalhados por todo o Brasil, com exceção dos estados de Roraima e Amapá. O Inep não explicou por que há essa dispersão.
A decisão do juiz do Pará determina ainda a expedição de mandado, a ser cumprido por oficial de Justiça, para que o Inep comprove o cumprimento da decisão no prazo de 72 horas. O não atendimento está sujeito a pena de multa diária de R$ 500.
"O que estão fazendo com todos é um absurdo, ainda mais quando o ministro beneficia um aliado pelo Twitter", diz o advogado Toya Alexsandro Santos, que defende a filha nessa ação.
A Folha de S.Paulo revelou no domingo (26) que Weintraub determinou nova análise da prova do Enem de uma candidata após receber por rede social uma reclamação do pai dela, que nas sua publicações se mostra alinhado ao governo Bolsonaro.
Weintraub divulgou imagens de conversas com o presidente do Inep, Alexandre Lopes, em que ambos tratam do caso. O órgão disse na ocasião que "não realizou nenhuma revisão individual a pedido do ministro, somente comunicou a ele o resultado das análises previamente feitas".
Na mensagem recebida por Weintraub, entretanto, o presidente do Inep relata informações específicas da participante, como o seu local de prova. "Fez a prova em Ribeirão Preto/SP. Conferido com a aplicadora", diz a mensagem.
O MPF (Ministério Público Federal) em Minas Gerais havia entrado com uma ação civil pública pedindo revisão das notas e interrupção do Sisu. Essa ação foi indeferida pela Justiça, e a Procuradoria ainda avalia se vai recorrer.
O erro nas notas foi causado porque, segundo o governo, houve troca de gabaritos devido a uma falha na gráfica que imprime o Enem desde o ano passado. Dessa forma, provas de uma cor foram corrigidas de acordo com o gabarito de avaliações de outra cor.
De acordo com informações da gráfica Valid, duas fases dos protocolos de controle falharam e não identificaram erros nos códigos dos gabaritos.
A Folha de S.Paulo revelou na quarta-feira (29) que o Inep abriu mão de fazer um recálculo nos parâmetros das questões da prova.
Como o Enem usa uma metodologia chamada TRI (Teoria de Resposta ao Item), o cálculo da nota final do candidato depende do grau de dificuldade das questões e do padrão de acertos --se o candidato acertou questões difíceis e errou as fáceis, a pontuação é menor, porque o modelo considera que ele chutou.
Para que a metodologia funcione, a prova precisa ser calibrada com o resultado de uma amostra de alunos para que seja atribuído o peso das questões. Mas, após a identificação de notas com erros, o Inep não refez esse procedimento. Funcionários do MEC e do instituto afirmaram à reportagem que, dessa forma, eles não têm 100% de confiança nos resultados.
Como esse cálculo exigiria mais tempo para ser concluído, o governo Bolsonaro o deixou de lado para dar uma resposta rápida aos erros e manter o cronograma do Sisu.
O Inep defende a confiança dos resultados e diz garantir que não há mais casos de erro. À Justiça o instituto ainda argumentou que tem evidências técnicas de que esse recálculo seria uma medida inócua.
Para chegar ao número de afetados, o órgão inicialmente identificou quatro casos com erros e fez cruzamentos em uma amostra de participantes que tinham divergências de notas parecidas --casos com grande diferenças entre os resultados das provas do primeiro e segundo dia.
O Inep então cruzou os gabaritos corretos e também as outras opções de cor para encontrar inconsistências. Após esse processo, chegou ao número final de 5.974 casos.
O governo recebeu 172 mil reclamações de notas. Participaram do Enem 2019 cerca de 3,9 milhões de estudantes.
© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.