Ao copiar uma fala de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista, o ex-secretário da Cultura Roberto Alvim não foi um peixe fora d'água no governo Jair Bolsonaro. A simpatia por ideias que flertam com totalitarismos do século 20, o fascismo e o nazismo, não é inédita nessa administração.
Desta vez, não é banalizar o uso do termo fascista para toda e qualquer pessoa que discorde de você, como vemos acontecer tanto por aí. É o que diz Odilon Caldeira Neto, professor de história contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora e um dos principais estudiosos no Brasil do neofascismo e da extrema direita verde e amarela.
Alvim virou "ex" nesta sexta (17), após ser demitido do cargo, na esteira da repercussão que seu discurso da véspera, quase um fac-símile de um pronunciamento em 1933 no qual Goebbels defendia uma arte alemã "heroica" e "nacional".
Caldeira Neto lembra de outro episódio em que membros do atual governo ecoaram estratégias comuns no fascismo.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, deu uma amostra disso quando afirmou em palestra que "os comunistas estão topo do país, eles são o topo das organizações financeiras, são os donos dos grandes jornais, das grandes empresas, dos monopólios".
"É um discurso conspiracionista, cuja estrutura narrativa se assemelha em alguma medida ao conspiracionismo fascista", afirma o acadêmico. É a ideia de que há um "governo oculto", uma "elite", que tudo controla e precisa ser expurgada.
Parecido teria feito o regime nazista, na primeira metade do século 20, com os judeus e outros grupos malquistos.
Quando Bolsonaro, ainda em campanha eleitoral, disse que fuzilaria a "petralhada", difundiu de quebra a noção de que é preciso "purificar a nação, refundar a nacionalidade", afirma Caldeira Neto. Outro traço dos regimes nacionalistas de matiz autoritária.
"Se a homenagem e apropriação de Goebbels não fosse notada, Alvim seria exonerado? O meu ponto é que esse tipo de pensamento não é propriedade exclusiva dele", continua. "Ele é partilhado, em maior ou menor grau, por outros setores do governo."
Até em momentos banais, como uma troca de tuítes, essa simpatia a protagonistas do autoritarismo do século 20 afloraria. Como quando Filipe Martins, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, ao saudar o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) em dezembro, usou a expressão em espanhol "ya hemos pasao" (já passamos).
A frase é associada ao ditador Francisco Franco, uma resposta irônica ao mote "não passarão", popular entre a esquerda.
A desqualificação dos oponentes, "que não são tratados como adversários do campo político, mas como inimigos a ser combatidos", é outro elemento próprio do fascismo em seu história, segundo o professor. "É a negação do outro. Temos, em momentos como este, não apenas a utilização de um argumento que cabe mais à filosofia ou à práxis fascista, mas inclusive à exaltação de figuras centrais do fascismo histórico."
O nazismo, explica Caldeira Neto, é um modelo de fascismo. "Apesar do nome rememorar a experiência italiana, foram diversos movimentos e ditaduras que remetiam a esse tipo mais específico. O nazismo foi um deles, e certamente a expressão mais radical, intolerante, genocida e racista."
O mesmo nazismo, aliás, que grupos bolsonaristas tentaram aliar à esquerda, ainda que Adolf Hitler tenha advogado pela "destruição do marxismo em todas as suas formas" em "Minha Luta", seu misto de autobiografia e panfleto antissemita.
A fala de Alvim perigava passar despercebida se não fosse a semelhança tão forte com a de Goebbels. Nem por isso deixaria de ser ameaçadora, diz Caldeira Neto. "A criação de uma 'alta cultura' nacional, que sugere a negação das demais formas, considerando-as como espécies degeneradas, não é apenas uma tentativa de diferenciar e hierarquizar as supostas 'alta' e 'baixa' cultura, mas sim um modelo único e autoritário."
Nada fortuita foi, nesse contexto, a seleção de uma música de Richard Wagner como trilha sonora. O alemão tinha conhecidas posturas antissemistas e, em meados do século 19, lançou "O Judaísmo na Música" (Das Judentum in der Musik). No panfleto, não disfarça seu desprezo pela produção de compositores judeus da época.
"Mais que o Wagner compositor do século 19, que não vivenciou o surgimento e o crescimento do nazismo, a forma como ocorreu a escolha remete nitidamente às estratégias de propaganda política do nazismo", diz Caldeira Neto.
As músicas de Wagner eram frequentes em eventos do Terceiro Reich. Sua ópera "Os Mestres-Cantores de Nurembergue" era um hit entre nazistas.
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