O lobby das igrejas tem garantido decisões no governo de Jair Bolsonaro que desafiam as políticas de ajuste fiscal do ministro da Economia, Paulo Guedes. Em meio à tentativa de reequilibrar as contas públicas, a equipe econômica se vê obrigada a analisar diferentes demandas de líderes religiosos que vão na direção contrária do planejado.
Bolsonaro se elegeu em 2018 com forte apoio de grupos religiosos, em especial a bancada evangélica, à qual tem dedicado boa parte de sua agenda. São frequentes encontros do presidente no Palácio do Planalto e em compromissos externos com líderes evangélicos, mas eles não são os únicos.
Recentemente, chegou ao Ministério da Economia um pedido sobre a possibilidade de igrejas que usam terrenos da Marinha não pagarem à União uma taxa pelo uso. A proposta pode retirar receitas dos cofres públicos enquanto o governo ainda tenta voltar a produzir superávit primário --algo previsto para pelo menos 2022. Para 2020, o rombo deve ficar em R$ 124,1 bilhões, segundo a meta fixada.
Em outra frente, o governo passou a estudar mudanças na cobrança de contas de luz para templos religiosos. A pauta chegou ao Executivo por lideranças evangélicas, que argumentam que é necessária uma cobrança diferenciada na conta dos templos.
"Como o templo só usa energia em horário de pico à noite, só fica naquela faixa de consumo do vermelho. E aí acaba pagando uma sobretaxa na energia", diz o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), aliado próximo de Bolsonaro.
"Então o que se discute no governo é que se tenha uma tarifa normal, para que o templo não seja automaticamente incluído, em especial no verão, na tarifa vermelha. Essa é a única discussão que está tendo, e o governo está avaliando como pode atender essa demanda. Não tem nada de subvenção", afirma.
O pedido de análise sobre o tema foi feito formalmente pelo Ministério de Minas e Energia à equipe econômica, que ainda não analisou completamente o assunto.
Mesmo assim, Guedes e equipe mantêm em princípio a posição de rechaçarem a criação de novos subsídios. O ministro quer diminuir o uso de renúncia fiscal de tal maneira que corte pela metade o patamar atual em dez anos.
Recentemente, ele enviou ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição que institui a limitação dos subsídios a um patamar de 2% do PIB (Produto Interno Bruto).
Para este ano, a previsão da Receita Federal é que a renúncia total de impostos alcance 4,34% do PIB. Os valores representam R$ 330,8 bilhões. O montante representa cerca de dez vezes o orçamento do programa Bolsa Família.
Mesmo se a PEC for aprovada, porém, o texto prevê que a medida só entraria em vigor a partir de 2026.
As divergências no governo em relação a políticas para igrejas foram vistas em mais episódios. Em abril, o então secretário da Receita, Marcos Cintra, foi desautorizado publicamente por Bolsonaro após ter dito ao jornal Folha de S.Paulo que a reforma tributária faria até fiéis de igrejas pagarem imposto quando contribuírem com o dízimo.
Em agosto, Bolsonaro voltou a descartar novas taxas e defendeu maior simplificação na prestação de contas de templos após reunião com o missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus.
Outro integrante da bancada evangélica, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) confirmou que o tema ainda está sendo tratado pelo governo. "Estamos dialogando para ver como tratar essas questões sem prejuízo à Receita Federal", disse.
O congressista, que já ofereceu eventos públicos em homenagem a Bolsonaro, disse que muitas questões vêm sendo tratadas pela bancada com o governo, como a pauta de costumes.
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